Quero ir pra casa

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Stéfani:

Aquelas palavras haviam me surpreendido de uma forma inexplicável. Me mantive em silêncio por alguns segundos e isso foi o suficiente para que ela desviasse o olhar e voltasse para o banco do passageiro.

- Stéfani: Eu não... - tentei falar.

- Mirella: Quero ir pra casa. - Ela me interrompeu dizendo baixo, convicta.

Suas atitudes versáteis me deixavam ainda mais confusa com o que estava acontecendo. Ela era a culpada da história qual eu ainda não sabia e talvez nem imaginasse, ou uma vítima com trauma da suposição que eu tinha? Eu mal podia reconhecer seu olhar e toca-la agora era tudo que eu não podia fazer... ela não permitia.

- Stéfani: Tem certeza? - questionei outra vez, tentando tocar sua mão.

- Mirella: Tenho. - saiu quase em um sussurro.

Ela retirou minha mão da sua, apoiou a cabeça na janela lateral e se manteve em silêncio o percurso inteiro. Quando chegamos em casa, ela apenas desceu do carro, passou por mim e subiu as escadas.

- Biel: Está tudo bem? - o segurança da porta principal perguntou ao mesmo tempo em que eu parei, coloquei as mãos dentro dos bolsos do sobretudo e respirei fundo.

- Stéfani: É... está. - sorri de canto e ele moveu a cabeça milimetricamente, assentindo.

Estava frio lá fora, morávamos na parte alta de Xangai e o local era pouco habitado. A neblina estava intensa e tornava tudo mais dificultoso de ver.

- Biel: Quer que eu me afaste? - ele questionou gentil ao me notar desconfortável.

Eu movi a cabeça afirmando e por fim ele saiu. Retirei o celular do bolso e sorri fraco por perceber que não era somente eu quem tinha acesso sobre aquele aparelho. A inteligência de Mirella sempre me chocou, mas agora me surpreendia muito mais pela sua facilidade em saber tudo que eu fazia sem precisar colocar os dedos no pequeno objeto.

Me sentei na pequena escada na entrada da porta e me mantive em silêncio por longos minutos. Mirella precisava de um tempo e talvez eu tivesse revivido um trauma que ela escondeu por anos.

(...)

Narrador:

Stéfani entrou no quarto e enquanto retirava o sobretudo analisava a loira deitada na cama que evitava olhá-la a todo custo.

- Stéfani: Esse celular não foi um presente... - a loira sorriu de canto erguendo o aparelho em mãos. - Por que?

- Mirella: Eu não confiava em você totalmente. - ela respondeu séria.

- Stéfani: Então por que não me avisou? Confia mesmo em mim? - falava paciente.

- Mirella: A gente vai brigar por isso? - a loira questionou ainda séria.

- Stéfani: Não, a gente não vai brigar. - a morena sentou-se na cama após a morena fazer o mesmo. - Eu só quero que confie em mim pra ser você mesma, mas você não se permite. Já parou pra perceber o quanto sabe sobre mim e eu nem se quer tenho certeza de onde você nasceu? Eu só quero conversar com você.

Mirella se manteve em silêncio, era irredutível.

- Stéfani: Quer ficar sozinha? - questionou carinhosa.

- Mirella: Não. - respondeu convicta. - Mas também não quero falar sobre o seu celular. Eu estou errada e não tenho argumentos pra isso.

- Stéfani: Não precisa clonar os dados do meu celular ou seja lá o que você fez com ele. - Mirella desviou o olhar se sentindo culpada. - Sabe o quanto eu quero que me pergunte as coisas? Não somos estranhas! Você pode me dizer o que quiser assim como também pode perguntar. Amor, você tem liberdade pra isso.

- Mirella: Me desculpa. - ela pediu baixo, olhando Stéfani com um pouco de dificuldade.

Ohana assentiu a desculpando. Mas... não era só aquilo que a incomodava.

- Stéfani: Não quero invadir seus limites, mas você tem me preocupado desde que vi aquele álbum. - retomou o assunto que Mirella vinha tentando acabar desde o fim do jantar. - Quero que saiba que pode falar comigo sobre qualquer coisa, não sou sua inimiga. E nunca... em hipótese alguma, suponha que eu sentiria nojo de você.

- Mirella: E se eu for a culpada de tudo? Ainda assim não vai sentir nojo de mim?! - ela disse com os olhos marejados.

- Stéfani: Não importa! - a morena praticamente gritou. - Você é tudo pra mim, eu sempre vou estar com você.

- Mirella: Mesmo se eu sentisse a pele sendo arrancada dos meus ossos todas as vezes que lembrasse daqueles toques? - ela confessou de forma indireta tudo que Stéfani já imaginava.

A psicóloga havia perdido o chão por alguns segundos. Sua postura tensionada relaxou, sua respiração calma se tornou um pouco ofegante e seu extinto protetor era visível por qualquer um.

- Stéfani: Eu sinto muito... - saiu em um sussurro.

A morena puxou a mais velha para si, a abraçando de maneira segura, confortável.

- Mirella: Eu consigo vê-lo me perseguindo na escuridão, até me ver cair... eu consigo senti-lo me percorrer pelo interior, até que eu não consiga nem mesmo rastejar. - ela sussurrava em meio ao choro.

- Stéfani: Está tudo bem, ele não está aqui. - a morena segurou seu rosto entre as mãos. - Eu estou com você, ok? Somente eu.

(...)

Mirella havia se acalmado um pouco mais após ter sido abraçada por longos minutos. Stéfani brincava em tocar seus cabelos com tamanha sutileza, passando afeto amoroso e transmitindo segurança.

- Mirella: Eu tentei gritar, mas minha boca estava tapada. - ela disse com a voz embargada. - Não tinha como fugir...

Seu rosto escondia-se na curva do pescoço da menor, que a abraçava com toda proteção do mundo.

- Mirella: Eu não podia denunciar, não acreditariam em mim. Ele era o treinador legal, já estava ali a anos e eu era só mais uma garota no meio de dezenas de adolescentes recém chegados.

- Stéfani: Você não contou pra ninguém? - Ohana questionou supresa.

- Mirella: Exatamente ninguém.

- Stéfani: Nem pros seus pais? Bianca? Muryllo? - sugeriu e ela se manteve em silêncio. - Lipe?

- Mirella: Pra ninguém. - ela ressaltou.

Stéfani:

Mirella viveu 8 meses em Cleveland, Ohio. Seus primeiros dias e restantes meses foram um inferno e por não poder voltar pra casa, teve de encarar e continuar no ambiente tóxico que estava. Treinar para o campeonato estadual e perder, tirar notas horríveis e esperar para que por fim perdesse a bolsa e retornasse para casa. Me contou até que tentou arrumar briga e fazer coisas que fossem contra as regras da escola, mas sempre recebia uma outra chance.

- Stéfani: Você nunca o encontrou desde que tudo aconteceu? - questionei paciente enquanto ela brincava em dedilhar minha clavícula exposta.

- Mirella : Não. - respondeu baixo. - Eu nunca tive coragem.

(...)

Ela me pediu pra esquecer tudo, mas era impossível dormir na mesma cama sabendo de tudo que ela passou e no fim não me importar com isso.

Quando Bianca chegou, já era tarde e Mirella dormia tranquila em meus braços, aninhada em meu corpo. Me afastei com dificuldade e ao sair, apaguei as luzes do quarto. Recebi Bianca que aparentemente havia vindo sem a esposa, ela parecia tranquila e cansada.

- Bianca: Posso ficar aqui essa noite? - ela perguntou baixo. - É que, brigamos na última vez... - referiu-se a Mirella.

- Stéfani: Ah.. eu sei. - eu sorri fraco. - Tudo bem, desde que não briguem outra vez, eu imploro.

- Bianca: Claro. - ela sorriu compreensiva. - Vou ver as crianças. - ela comunicou baixo, ao sair direcionada ao segundo andar.

6/7

Bom dia ✨❤️

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