27 - Quando tudo ruia

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A cada dia que passava, tudo parecia se tornar ainda mais instável. Medo era o sentimento mais presente e o que mais pesava nas costas de todos.

Nenhum assunto jamais tinha sido proibido naquela casa, mas quando ocorria qualquer mínima menção à cirurgia, a conversa era encerrada imediatamente e um clima tenso se instalava.

Então, depois de uma semana vendo a maneira ríspida com que o pai respondia quando tentavam discutir o tabu que aquele assunto havia virado, os gêmeos desistiram.

Aquele, em específico, era um dia raro, um dia em que os três estavam em casa, isolados em seus quartos, mas em casa... por enquanto.

Katsuki tinha acabado de lavar o rosto, na esperança de que isso pudesse levar embora pelo menos um grama do estresse que parecia pesar chumbo. Porém, parando no batente da porta, viu que nada tinha mudado.

O quarto continuava vazio, silencioso, completamente sem vida, faltando algo... alguém.

Desde a mudança de Shoto para o hospital, tudo que Katsuki conseguia sentir quando olhava para aquele lugar era falta. Falta de Shoto imerso em algum livro; falta dele concentrado enquanto trabalhava traduzindo ou revisando algo; falta de vê-lo tomando seu corriqueiro banho de sol aos domingos quando se sentava em frente a janela para observar o lado de fora; falta de assisti-lo testar milhares de penteados e depois reclamar da quantidade de cabelo que havia caído no processo; falta de sua companhia nos banhos de banheira; falta de seus cafunés na hora de dormir; falta do seu cheiro.

Essa, com certeza, era a pior parte. As memórias que Katsuki tinha continuavam vívidas, mas o inebriante perfume apimentado dos feromônios de Shoto que costumavam impregnar o quarto agora haviam se dissipado, sobrando apenas um suave resquício.

Como lavar o rosto não tinha ajudado, ele precisava de outra maneira para afastar aqueles pensamentos.

Descendo as escadas, foi direto para a cozinha logo em frente. Lá, procurou um dos armários, abriu e pegou uma garrafa fechada de algum whisky barato. Serviu-se de meio copo e ficou encarando o líquido alaranjado.

Quantas vezes já tinha recorrido a esse método nas últimas semanas? Mais vezes do que tinha coragem de admitir a qualquer um.

Ele levou o copo até próximo do nariz e respirou o cheiro forte do álcool. Então, abaixou o copo novamente e lentamente jogou fora o conteúdo na pia da cozinha. Ainda estava no controle.

— Pai? — chamou Mitsuki vindo do corredor e logo apareceu na esquina da cozinha, segurando alguns papéis. — Pai? Ah, está aqui. Queria pedir uma coisa.

— Agora não, Mitsuki — disse com um suspiro e apertando os olhos com o polegar e o indicador ao sentir o sutil martelar do início de uma dor de cabeça.

— É sobre o evento de arrecadação de fundos para a viagem do time para disputar as regionais...

Escola. Também era Shoto quem costumava cuidar desse assunto. Katsuki sempre ficava por dentro de tudo que estava acontecendo, no entanto, ele só intervia quando era algo muito sério, o que nunca aconteceu. Mas agora, tudo recaia sobre ele e finalmente percebera que era péssimo para lidar com aquilo.

— Outra hora, Mitsuki — bufou um pouco mais forte.

— É que o senhor disse isso alguns dias atrás também, então, só tem mais essa semana para...

— Eu disse agora não! — Sua voz se elevou e ao bater a mão contra a pedra da pia, os olhos da filha se arregalaram assustados. — Não acha que tenho coisas mais importantes para resolver?

Mitsuki engoliu em seco e vestiu uma expressão séria. Ela tinha a mesma afronta de Katsuki quando era desrespeitada, talvez fosse apenas um pouco mais sutil, mas tão direta quanto.

Ao longo dos anos - TodoBakuOnde histórias criam vida. Descubra agora