quatro

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Os olhos castanhos se abriram cautelosamente, pois os raios fortes de sol atingiam-lhe o rosto. Soltou uma longa respiração e se espreguiçou, levando uma de suas mãos até seu olho esquerdo e o coçando.

Era, decerto, muito cedo ainda; seu relógio biológico soava sempre junto com o nascer do sol, fazendo-a acordar mesmo se tivesse dormido bem tarde na noite anterior.

O frio era ainda mais intenso do que pela madrugada, Marília achava o frio daquele horário do dia o pior de todos os horários. Ela pegou sua escova de dentes e, junto com uma garrafa de água, sua toalha de rosto e um copo plástico, ela saiu do caminhão. Se debruçou sobre a beira da estrada e começou a escovar seus dentes. Resmungou algo quando vestígios de água respingaram em sua roupa e ao terminar sua higiene matinal deu uma olhada no cenário ao seu redor.

- Bom dia! - A moça que dormia na cabine, aparentemente, havia despertado, dando um leve susto em Marília.

-Dia!- Marília respondeu cética. - Se quiser escovar seus dentes eu tenho uma escova extra no meu porta-luvas.

- Faria mesmo a gentileza de me ceder sua escova nova?- Maraisa perguntou contente e Marília acenou, indo buscar o objeto, - Oh, céus, obrigada. - A garota agradeceu assim que Marília Ihe entregou a escova de dentes.

- Desculpe ter esquecido a porta do caminhão aberta. Tenho o hábito de acordar só e...

- Não se preocupe. -- Maraisa disse após terminar de escovar seus dentes e jogar um pouco de água em seu rosto.- Eu já estava acordada, de todo o modo.

- Certo. - Marília disse, caminhando outra vez para o caminhão. Maraisa entrou no mesmo e se sentou ao seu lado, esperando Marília ligar o caminhão, no entanto, ela não o fez.

-Não irá dirigir agora? - A garota perguntou curiosa.

- Não. Esperarei as garotas acordarem. É proibido transportar pessoas na parte de trás. Só faço isso à noite e mesmo assim nem sempre. É perigoso.

-Oh.- Maraisa expressou, vendo Marília pegar algumas coisas no isopor.

- Sirva-se. - Ela disse séria e Maraisa sorriu sem graça antes de pegar um sanduíche para si e uma garrafinha de suco. - Dormiu bem? - Marília perguntou de repente. - Eu sei que não é um lugar muito confortável, mas infelizmente é o melhor que posso te oferecer.

- Dormi muito bem na verdade. - Respondeu com um sorriso puro. - A propósito, não deveria me ceder sua coberta. Acordei de madrugada e te vi encolhida em seu banco, desculpe. - Disse, dando uma mordida no sanduíche.

Não se preocupe, sou mais acostumada do
que você a esta vida de estrada. - Marília disse sinceramente. - Esta noite dormiremos em um hotel; precisamos de uma noite descente de sono e de um bom banho. - Maraisa empalideceu ao ouvir aquilo. - Será que eu... hm, poderia dormir em seu caminhão?- Marília franziu o cenho em confusão.

-Por que, se estou dizendo que teremos uma cama confortável à nossa disposição?

-Eu, hm.. - Enrubesceu e olhou para baixo. - Não tenho dinheiro para pagar um hotel. O dinheiro que eu tenho é para outra coisa.

- Não posso me dar ao luxo de te pagar um quarto, mas se não se incomodar pode dividir o quarto comigo e com a Paula. Só tem duas camas, mas a gente dá um jeito. Qualquer coisa posso dormir no chão ou...

- Não quero me aproveitar de sua hospitalidade. Realmente posso dormir aqui. - Maraisa disse prontamente.

- Pois eu me oponho. Você dormirá conosco em um quarto descente. - Marília disse solenemente e Maraisa soltou uma risadinha gostosa. - Do que ri?

- Você é sempre tão séria assim?- Perguntou em um sorriso. Marília soltou um resmungo baixo e Ihe encarou.

- Não sou séria.

-Bem, desde que cheguei só te vi séria.

- Bem, desde que chegou não tive motivos para rir e que eu saiba eu ainda não bati forte com minha cabeça a ponto de rir do nada.

-Oh, desculpe. - Maraisa pediu desconcertada pela resposta que ganhou de Marília. A mais velha Suspirou e meneou a cabeça.

- Não! Me desculpe você. - Disse ela. - E que não
sou acostumada a falar com pessoas além de
minhas irmás e minha cunhada. Minhas respostas se moldaram à forma como Ihes respondo. Eu não tive a intenção de ser rude.

-Tudo bem. - Maraisa respondeu, comendo em
silêncio e admirando a bela paisagem através da
janela da frente.- Então, qual é a sua história?-
Ela perguntou após algum tempo.

- Eu não tenho uma história. - Marília disse.

- O que?- Maraisa proferiu rindo. - Claro que tem. Me diz! Um ex-namorado que partiu seu coração? Uma família que te espera voltar ansiosamente? - Marília torceu a boca e Maraisa prosseguiu.- Vamos lá, todos temos uma história.

-Qual é a sua?- Marília perguntou, vendo Maraisa sorrir e franzir os olhos.

- Hey, eu perguntei primeiro. - Marília nada disse. -Se eu te contar a minha você me conta a sua?

- Talvez.

- Marília!

-O meu talvez é tudo o que você tem, senhorita
Maraisa. - Maraisa bufou e assentiu.

-Bem, cresci no litoral; fui criada por meus avós
grande parte da minha vida sou solteira... - Os
olhos castanhos analisaram meticulosamente os
orbes castanhos em busca de tentar reconhecer
se aquela informação Ihe agradava, no entanto a
mulher permaneceu imóvel. - E estava indo para
San Diego visitar o túmulo de minha mãe.

- Certo.

- Sua vez.

- Como eu disse, eu não tenho uma história. --
O risinho nasalado de Maraisa fez Marília Ihe encarar.

- Você me enganou.

- Pelo contrário, te disse a verdade desde
sempre.

-Tudo bem. Dirige desde que idade? -
Maraisa perguntou, vendo Marília rosnar
algo baixinho.

- Você faz perguntas demais, Maraisa.

-E você dá respostas de menos.

-Você não precisa saber da minha vida pessoal. Isso é apenas uma carona não seremos amigas para toda a vida, daquelas que trocam mensagens após uma longa aventura.

- Você é bastante mal humorada para
uma mulher de vinte e sete anos. - Maraisa
constatou ainda com um meio sorriso em
seus lábios.

-E você é bastante intrometida para uma
de vinte e cinco. - Maraisa se calou diante
daquilo. Não iria arruinar sua única carona
por discutir com uma garota teimosa e
ranzinza.

A porta foi aberta por uma Maiara faminta e calada. Seu bom-humor matinal era nulo e por isso Marília nada disse.

- Bom dia, Maiara! - Maraisa saudou.

- Fale comigo depois das dez da manhã. Por esse horário de agora sou movida unicamente a fome. - Maraisa se encolheu no banco ao ter recebido uma patada de uma segunda pessoa em menos de cinco minutos. O mau-humor pela manhã naquela família era nítido.

O olhar de Marília pousou em Maraisa ao notar a garota corar diante da falta de educação tanto dela como de Maiara.

- Maraisa, eu não quis...

- Tudo bem, Marília. Você tem razão. É só uma carona. - Marília assentiu, mas se sentiu levemente molesta com algo que não sabia o que era.

Destino Incerto - MalilaOnde histórias criam vida. Descubra agora