trinta

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Marília piscou lentamente. Em quê, Maraisa poderia ter mentido para ela? A garota não trajava o perfil de mentirosa, pelo contrário, sempre fora bem direta e sincera em relação aos seus pensamentos.

- Como assim mentiu? Ao que se refere? - Marília perguntou com cautela, vendo o rosto da menor tomar uma coloração rosada.

- Sobre o carro e o celular. - Ela disse, fitando as próprias mãos por um momento. - Eu não fui roubada, eu os vendi.

- E por que? - Marília perguntou. A menor exalou o ar de seus pulmões e Marília percebeu seu tom de voz baixar um decimal.

- Porque a dívida da minha mãe era muito alta e eu, bem, não tinha outra forma de pagar. - Confessou, coçando um dos olhos. O sono era evidente nela. - Fui expulsa da casa onde eu morava na Flórida porque atrasei o aluguel e passei a viver em meu carro, mas antes de eu sair chegou a notificação da morte de minha mãe e da dívida. - Marília balançou a cabeça digerindo as novas informações.

- Posso, huh, te fazer um pergunta? - Marília perguntou e Maraisa assentiu. - Como conseguiu aqueles machucados?

- Pedindo carona. - Ela confessou baixinho, com a voz frágile voltando a fitar suas mãos. - Um grupo de mulheres achou que eu era, você sabe, prostituta porque eu estava pedindo carona de noite na beira da estrada e com um vestido. - Marília abriu a boca incrédula e sentiu seu sangue fervilhar ao imaginar alguém machucando Maraisa. - Elas pararame, o resto você sabe. - Disse enrubescendo mais.- Queimaram minha mala de roupas também, por isso eu só tinha um vestido. Agora tenho dois, Paula me deu o outro.

- Então veio para cá para pagar o hospital com o dinheiro do seu carro e celular?

-Sim, eu já não tinha nada lá mesmo. Tentei pedir carona para voltar, mas ninguém parou desta vez. - A garota disse, soltando um suspiro derrotado. - Então retirei algum dinheiro do que eu tinha guardado e estou limpando vidros. Pelo menos tenho o que comer.

- Onde dormiu? - Maraisa realmente se sentia embaraçada com tal situação, pois cada vez corava mais.

- Na rua. - Marília sentiu seu coração se comprimir ao ouvir aquilo tudo. - Eu tentei te contar aquele dia no restaurante, mas fiquei com vergonha ou medo de você me xingar por ter mentido. - A garota parecia tão derrotada e abatida que a qualquer momento desmoronaria, Marília tinha certeza.

- Mara, eu jamais faria isso. - Marília disse, tocando em suas mãos suavemente.

- Desculpe ter mentido. Eu geralmente não sou a favor de mentiras, mas eu tentei dizer a verdade e acabei apanhando e.. - Marília puxou Maraisa para seus braços quando viu que a menina havia começado a chorar. Ela não se importou em colocar Maraisa em seu colo, mesmo tendo algumas poucas pessoas olhando para elas.

- Não chora, por favor.. - Marília pediu baixinho, acariciando as costas da menor.

- Eu estou tão cansada disso tudo. - A menor disse entre o choro, afundando seu rosto no pescoço de Marília; seu choro aumentou a intensidade, no entanto, ainda era baixo; Maraisa não gostava de chamar a atenção.

- Você deveria ter me dito isso antes, Mara. Eu jamais teria te deixado só, eu esperaria sem problema algum você efetuaro pagamento e depois a gente daria um jeito.

- Desculpe. - Maraisa lamuriou novamente; pequenos soluços escapavam por entre seus lábios; ela não queria chorar, mas foi inevitável.

- Não se desculpe, tudo bem? - Marília perguntou e Maraisa assentiu. - Vai ficar tudo bem agora. Entendido? - Maraisa desencostou-se do ombro de Marília e assentiu, levando uma mão ao rosto para enxugar as lágrimas.

[...]

Após acalmar a menor, a comida finalmente chegou e elas comeram quietas, Maraisa se sentou em seu lugar e vez ou outra Marília contava algo para descontrair, fazendo Maraisa rir.

- E Paula decidiu ficar lá. Iria transar, com certeza. - Marília disse revirando os olhos, fazendo Maraisa rir novamente.

- Não acredito!

- Sim, acredite. Não sei como fizeram, o homem parecia ter um braço entre as pernas. - Outra gargalhada não tão alta de Maraisa ecoou no lugar, fazendo Marília sentir seu estômago se revolver em êxtase ao ouvir tal som.

- Andou reparando na bagagem dele, hm? - Maraisa perguntou sugestivamente, fazendo Marília revirar os olhos.

- Era como se ele tivesse três pernas. - Marília disse horrorizada. - Eu não tinha reparado até o meninão dele começar a ganhar vida própria. - Disse fazendo uma careta.

- Acabamos de almoçar, não fale coisas nojentas na mesa. - Maraisa brincou e Marília riu, respirando fundo e se levantando.

- Vamos?

- Vamos. - Maraisa disse tristemente.

- As meninas não vão acreditar quando te verem. - Marília disse, deixando o dinheiro sobre a mesa. Maraisa Ihe olhou confusa.

- Como assim? Elas virão para cá? - Maraisa perguntou confusa.

- Não, Maraisa. Você vai para lá comigo. - Marília disse, vendo as orbes castanhas se arregalaram surpresa. - Você realmente acha que eu te deixaria aqui sozinha?

- Marília, eu não tenho como retribuir. - Maraisa avisou sinceramente. - O único dinheiro que tenho eu estou ganhando limpando os vidros. - Marília sorriu de forma terna e esticou a mão para Maraisa, que segurou um pouco relutante.

- Eu só quero que nunca mais chore daquele jeito, morena. Se você estiver feliz e segura já estará me retribuindo. - Marília disse e Maraisa se levantou também, se jogando nos braços de Marília e a abraçando fortemente.

- Você é o melhor ser humano deste mundo. Obrigada, Lila. - A menor disse, se arrepiando ao sentir Marília lhe dar um beijo na curva de seu pescoço.

- Agora vamos. - Marília disse, se afastando do pequeno corpo e recolocando o chapéu em sua cabeça, já Maraisa pegou suas próprias coisas.

E de dedos entrelaçados, saíram do estabelecimento. Maraisa sorriu sem Marília ver, pois era a primeira vez em dois dias que sentia seu estômago completamente cheio, mas também sorriu por ter voltado a ver Marília. Ela jamais imaginou que aquilo poderia acontecer, afinal ela era uma azarada de mão cheia e em sua vida só costumava acontecer coisas ruins.

Seu coração se acelerou quando sentiu Marília acariciar com o polegar sua mão. A maior realmente se importava com ela, Maraisa podia sentir. Não era dó, não era pena, era afeto. Puro e verdadeiro.

E muito bem retribuído.

Destino Incerto - MalilaOnde histórias criam vida. Descubra agora