3. Cristais da Jornada

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O nosso final começou no começo.

E eu abraço o fim só pela certeza de existir um meio entre ele e o agora.

Milênio 7

Eles foram cuspidos pelo portal em algum ponto distante da prisão branca, sobre o chão frio, liso e lustroso do vácuo do universo de sua realidade. Assim que seus corpos atravessaram a fronteira para aquele lado do universo, a abertura desapareceu completamente, trancando-os no meio do nada.

Com a velocidade em que vinha correndo, Klairer rolou pelo chão até que suas costas se plantassem ao chão, deitando-a de frente para o céu. Ela se entregou à dormência de seu corpo, exausto demais para obedecer aos seus comandos, e saboreou os fracos sinais vitais que ele ainda a dava: sua respiração estava audível; seu coração explodia no peito como uma bomba nuclear a cada pulsada; sua pele produzia, a partir das emoções desenfreadas em seu âmago, uma luz etérea que faiscava em uma áurea estrelar. Seus olhos mantinham-se presos no destino pelo céu do universo, sem coragem de lê-lo; os desenhos das estrelas não passavam de borrões suaves para sua visão cansada, em uma obra de arte que apenas aqueles que entendiam o tempo tinham a maldição de ver.

– Nós até fazemos uma boa dupla... – O rapaz comentou com um sorriso aventureiro, levantando-se cambaleante do chão para se aproximar da garota. Exausta, Klairer se ergueu ainda mais lenta e atordoada do que ele, como se sua mente ainda não tivesse atravessado completamente o universo. – Deveríamos fazer isso mais vezes.

– Eu tenho apreço à vida. Então realmente espero que não. – Klairer murmurou, fazendo o rapaz rir. Talvez uma pessoa normal tivesse encerrado aquela conversa ali e começado a se perguntar sobre o que fazer em seguida, mas aquele estranho desconhecido prosseguiu:

– Essa tal de "vida" é um conceito bem superestimado, não acha? – Atraiu um olhar descrente para si. – A vida é só um detalhe se não for ser vivida de fato. – Deu de ombros, com uma expressão que quase fez a garota acreditar nele.

– Então foi por isso que você foi parar na prisão? Para viver de fato uma vida que pode acabar a qualquer instante apenas por ser vivida? – Klairer indagou, tanto por genuína curiosidade quanto por provocação.

– Não é essa a premissa original de existir? O fato de que pode acabar a qualquer instante? – Ergueu uma sobrancelha. Eram muitas perguntas e poucas respostas para que a garota conseguisse aturar aquela interação sem alguma preparação prévia. Como se ajustasse seus olhos, Klairer piscou repetidamente e retrucou, desistindo:

– Eu não costumo ter esse tipo de conversa com desconhecidos a essa hora da manhã... – Resmungou. Ainda que não existisse nada no céu que demarcasse o horário, Klairer entendia o tempo o suficiente para saber as horas, baseada no relógio do mundo principal do império.

– Então devemos aguardar para a noite, assim como aguardamos para o vouge? – Ele sugeriu, carregado de um sorriso implicante. Vouge era um ingrediente extremamente viciante usado pelas galáxias em vários tipos de bebidas, embriagando apenas os seres reflexivos, incapazes de criar ou absorver luz, mas contaminando a todos os demais com o breve esquecimento de seus problemas e uma maravilhosa sensação de liberdade. Não se sabia exatamente do que vouge era feito para ter um efeito tão viciante e peculiar, mas teorias diziam ser composto da própria morte em si, apenas para mostrar àqueles que o bebiam o quanto estavam de fato vivos.

– Ele ajudaria, se é o que você está oferecendo. – Klairer nunca antes soara tão sarcástica.

– Ótimo. Não há motivação melhor para fugir da prisão do que sair para esquecer dos crimes que cometi em primeiro lugar. – Seu cinismo praticamente escorria pelos cantos da boca. – Bom saber que fugi com alguém que aprecia uma perda de memória.

Estrela Caída| Versão Em PortuguêsOnde histórias criam vida. Descubra agora