6. Cartas do Passado

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Eu não me lembrava dos dias em que você me contara essa história.

No primeiro dia, eu ri da sua cara.

No segundo dia, eu não achei nada demais.

No terceiro dia, eu não prestei atenção.

No quarto dia, eu me distraí com os meus problemas.

No quinto dia, eu a interrompi com os nossos problemas.

No sexto dia, eu fiz perguntas até te irritar.

No sétimo dia, eu a entendi.

E então você tirou tudo isso de mim.

Milênio 1

Klairer não começou sua existência na prisão, por algum crime qualquer sem sentido. Ela teve um percurso, um processo, um progresso rumo ao presente; teve uma história pré-prisão, pré-agora, pré-tudo-aquilo, antes dos crimes e das fugas, das culpas e das punições, dos medos e das fúrias, quando era apenas jovem, pronta para ser decepcionada, enganada e usada pelo universo em algum plano maior que nunca fosse capaz de compreender.

Ela ia aprender rápido.

Mas, até lá, teria de cultivar muitas mágoas; teria de sofrer; teria de enfrentar a morte de perto e vencê-la.

E tudo começou com uma carta.

• • • ∞ • • •

– Klairer! Uma carta para você! – Gritou sua designada mãe-substituta, do andar de baixo.

A garota mal ouviu a palavra "carta" e já tinha pulado da cama, praticamente deslizando pelos degraus escada a baixo. Estava cedo demais para ser aquilo que ela achava que era, que ela queria que fosse, mas não conseguia perceber. Para ela, já era muito mais do que tarde. Já era um "finalmente".

Klairer estava cheia de expectativas e esperanças, inebriada demais pelos futuros hipotéticos em sua imaginação para conseguir pensar em qualquer outra possibilidade além daquilo em que sonhava. Quando chegou, porém, ao andar de baixo, agiu casualmente, como se não se importasse com nada, intocável em algum plano superior. Não queria que sua mãe-substituta soubesse o quanto estivera esperando por aquele momento; queria guardar aquela alegria como um tesouro em um oásis apenas seu.

– Uma carta? – Klairer indagou, fingindo não estar prestes a explodir. – De quem?

– Você sabe de quem. – A mulher respondeu bruscamente, sem encará-la. O amargor em seu tom contava muito mais sobre ela do que ela já contara algum dia para Klairer. Tudo o que a garota sabia era que qualquer menção ao Conselho de Estrelas simplesmente enfurecia sua mãe-substituta. Talvez a mulher também tivesse tentado fazer parte deles e ver Klairer viver os mesmos sonhos, com mais competência, a invejasse. Ou talvez eles a tivessem negado um futuro pelo qual ela implorara; ou talvez a jogaram em um que ela não conseguiria aguentar. Klairer não sabia, mas se contentava com teorias que a mãe-substituta nunca confirmaria.

– Então... – Pulou para as conclusões a que seus sonhos a conduziam. – Essa carta é do Conselho de Estrelas? – Gastava muita energia tentando conter sua animação, desnecessariamente, já que sua mãe-substitua simplesmente não se importava. Ela sabia que Klairer seria um fracasso, de qualquer forma, e seu olhar transparecia aquele cruel desejo. Mesmo vendo o que a mulher silenciosamente implicava, Klairer estava nas nuvens. Aquilo estava realmente acontecendo? Se era tão verdade como ela estava imaginando, então aquele era finalmente o momento da concretização de seu mais antigo sonho. Ela finalmente seria capaz de começar a seguir seu destino e viver a sua vida! A mãe-substituta confirmou sua pergunta com a cabeça, sem nem olhar para Klairer; ela deixaria a jovem sonhar estupidamente; e, quando as expectativas da garota não se concretizassem, a mulher estaria lá para assistir de camarote a sua infelicidade.

Aproveitando-se da situação para aumentar ainda mais as esperanças da garota, – apenas para que a visse despencar de ainda mais alto – a mãe-substituta leu o nome do remetente da carta:

– E foi escrita pessoalmente pelo atual líder dos aprendizes... O que será que o provável futuro Imperador do Destino poderia querer com alguém como você? – Klairer, transbordando de curiosidade além da animação que já a enchia até as bordas, ignorou o desprezo no tom da mulher.

Em um estopim de euforia, Klairer pulou sobre a mãe-substituta e tomou-lhe a carta das mãos, antes que a mulher pudesse continuar a torturando passivamente com aquele suspense. A garota estava surpresa que a carta tivesse sido endereçada pessoalmente pelo líder dos aprendizes, e não pelo Conselho de alguma forma fria, profissional e impessoal, mas aquilo não tirava sua animação. O que era de se esperar do convite para participar do grupo de aprendizes era que fosse feito em nome do palácio em si, quando o Conselho tomasse ciência de suas habilidades, e não por um único indivíduo. Aquilo a deixou alegremente especulando. Ela era tão especial ao ponto de que o jovem líder sentira a necessidade de ele próprio chamá-la para o grupo? Klairer sorriu presunçosamente, já se visualizando entre aqueles que aprendiam a controlar o tempo para, um dia, comporem o Conselho de Estrelas.

Roubou da mesa o café de nebulosa com nozes da mãe-substituta e correu para seu quarto no andar de cima com um frio na barriga de antecipação. Jogou-se na cama e rasgou rapidamente o perfeito envelope dourado. Dourado. Estranho. O envelope de convite geralmente era prata iridescente... Mas talvez o dela fosse ainda mais especial. Uma cor não a desanimaria.

Klairer já tinha passado tantas horas sonhando acordada com o que faria quando finalmente fosse selecionada entre os estudantes e chegasse ao Conselho, depois de passar inúmeros milênios aprendendo sobre a arte de manipular o destino com os demais aprendizes competidores; já sabia até mesmo qual seria sua primeira lei, caso fosse escolhida como a próxima Imperatriz do Destino. Ela tinha certeza de que fora feita para aquilo: ser reconhecida por suas habilidades, treinada entre os melhores e então poder tomar suas próprias decisões; tanto para si, como para o universo.

Seus olhos brilhavam com a expectativa do futuro que nunca precisara ler nos planos do tempo para saber que era seu. Naquela época, devido à sua inexperiência, Klairer não seria capaz de ver tão longe nos mapas do destino, mas sua esperança nem mesmo a permitira ler seu destino. Sua fé era a sua verdade; ela a inebriava, turvava seu mundo com uma cortina de neblina doce; e Klairer não conseguia reclamar daquilo.

Ela se deixara iludir pelos próprios sonhos. Seus desejos se aproveitaram de sua inocência para enganá-la. Mas nem mesmo eles sabiam que nunca se realizariam.

Klairer correu os olhos animados pelas linhas escritas.

Lentamente, seu sorriso desmoronou, morreu e apodreceu, desanimando-se conforme lia e não compreendia o que estava ali; conforme não aceitava. Do que o jovem líder estava falando? Ali não tinha nenhuma menção ao Conselho, aos aprendizes ou às habilidades dela; nenhuma palavra sequer se assemelhava a um convite ou a algum reconhecimento de que estava escrito no destino que ela um dia seria como eles. Klairer não entendia. Era como se estivesse faltando algo; mas a carta estava completa.

Aquela era a sua mais profunda e destilada decepção; seu primeiro "não", ainda que tivessem apenas não a dito "sim". Seria o seu primeiro "não" de muitos; e, a cada "não", ela perderia mais e mais as esperanças, até que a amargura encontrasse nela um terreno fértil para fixar suas raízes.

Desconsolada, Klairer chegou ao final da carta, perdendo o fôlego ao chegar nas últimas linhas:

"Destarte, gostaria de encontrá-la pessoalmente para organizarmos os detalhes de nosso casamento. Por alguma razão, o tempo decidiu unir-nos; então, como futuro Imperador do Destino, tenho a obrigação e honra obedecê-lo fielmente.

Com antecipado apreço, seu futuro marido, Topher Chiaran".

E então Klairer não conseguiu mais segurar seu café de nebulosa no estômago.

Estrela Caída| Versão Em PortuguêsOnde histórias criam vida. Descubra agora