28. Deuses Imaginários

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Mortais não estão prontos para ver o universo através dos olhos de deuses.

A dor é a única conexão entre eles.

Ela mortaliza os deuses.

E imortaliza os mortais.

Milênio ∞

Ela sentiu a eternidade correr por si.

Era doloroso.

E delicioso.

A lancinante dor cósmica penetrou pela pele fina de seu dedo e se alastrou como descarga elétrica por toda a sua corporeidade, em torturante lentidão. Era como se seu corpo explodisse atrás da pele, ameaçando romper-se ainda que a casca se mantivesse intacta por fora. Era como se ela se rachasse por dentro, célula por célula, parte por parte, membro por membro.

Seu braço ameaçou cair, cansado daquela existência; seu peito entrou em combustão, como se o coração fosse bomba nuclear que estraçalharia tanto sua caixa torácica quanto as janelas de vidro de um arranha-céu inteiro. Sua materialidade havia se tornado um empecilho para a expansão, um problema no caminho da evolução. Mas ainda era tudo que ela tinha.

Um grito desesperado escapou pela garganta arranhada de Klairer, assim que sentira a primeira pontada de subestimação de sua corporeidade. E, quando a dor escorreu para as pernas, seus joelhos fraquejaram na missão de mantê-la de pé, desabando contra o pilar que também sustentava a caixa dos cristais.

A dor a partiu no meio. Esticou-a de dentro para fora até que algo nela se rachasse.

E então começou a expansão.

Sua alma se alastrou para fora do corpo, como se sua percepção se arrastasse em tentáculos etéreos e esfumaçados para além de seus limites conhecidos. Suas barreiras e limitações foram transpostas, derrubadas, destroçadas. Klairer existia em todas as épocas, sua mente colonizando eras que ela nem mesmo sabia que aconteceriam, sua existência plantando sementes em anos distantes que floresceriam em percepções das quais ela jamais um dia imaginara ter o poder de possuir.

Ela e a eternidade eram o mesmo ser.

E era inebriante.

Prazer tomou conta de cada parte ferida de sua casca destroçada. A calmaria deliciosa de uma anestesia adocicada a atingiu, curando suas rachaduras e afagando o orgulho machucado de sua corporeidade. A alma voltou para casa com um sorriso bêbado no olhar, o grito perdido sem lembrar do motivo de sua existência.

E apenas aquele breve instante de prazer já havia valido a pena todo e cada segundo de busca nos últimos seis milênios de sua existência.

No fim, as sensações passaram por completo, abandonando Klairer com o vazio. Nenhuma dor, nenhum prazer. Absolutamente nada.

A dor fora furacão; o prazer fora brisa; e agora o nada era o vácuo do universo infinito.

Havia acabado.

Não durara nem um minuto sequer. Que fizera toda a sua eternidade valer a pena.

Ela tinha sido transformada.

Seus olhos se abriram.

Mas não apenas seus olhos físicos.

Os olhos de sua mente também.

Seus olhos foram abertos.

E ela finalmente podia ver a verdade.

• • • ∞ • • •

Estrela Caída| Versão Em PortuguêsOnde histórias criam vida. Descubra agora