45. Prisioneiros no Círculo do Tempo

1 0 0
                                    

E, de volta ao começo de tudo, retornamos.

Como se nunca tivéssemos saído dele.

Como se nada tivesse acontecido entre ele e o agora.

Mas nossas mentes tinham ido ao céu e ao inferno.

Tinham conhecido as alturas e as profundezas da realidade.

Tinham enfrentado o tempo e o espaço.

Tinham desbravado a eternidade e o infinito.

E aqui estávamos novamente, retornando para casa como veteranos de uma guerra que não havia acontecido. As feridas do corpo totalmente curadas; mas as mentes rasgadas por uma permanente cicatriz que nem mesmo a minha morte tinha sido capaz de apagar.

Foi bom voltar ao início de tudo, por mais que soubéssemos que uma era de ouro não se vive duas vezes.

Novo Milênio 7

Klairer não tinha perdido as esperanças ainda.

Ela vencera; ela finalmente o vencera.

Mas ainda não estava tudo acabado.

Quando abriu seus olhos, o tempo finalmente voltou a correr; lentamente, fracamente, insistentemente.

Ela estava sentada na cadeira, fraca, debilitada e jogada contra o encosto com o rosto escondido atrás de sua pesada cortina de cabelos. Seu olhar era indiferente, blasé, tão afastado da situação como se a observasse de longe, como se sua consciência nadasse por outra realidade e se perdesse em alguma outra vida distante. Não demorou muito, porém, para que Klairer despertasse.

Por um momento, achou que revisitasse uma memória, recordando-se do começo do fim de sua história. Mas o destino logo a mostrou que esse não era o caso. Tudo que via e sentia à sua volta não era uma lembrança; Klairer estava vivendo aquele momento mais uma vez, a partir de um ponto de vista mais maduro e calcificado; mais real. Seu "experimento" dera certo; tinha de fato conseguido reconstruir os caminhos do tempo; e o destino, em um golpe de misericórdia a poupara uma vaga para repousar pacificamente na realidade que criara, perdida no mesmo passado que um dia enfrentara.

Klairer imediatamente quis comemorar seu sucesso, mas então percebeu que estava fraca demais para fazê-lo. Seu corpo parecia rachar, fragilizado, como se um movimento sequer pudesse fragmentá-la para a inexistência, após gastar mais do que tinha na busca por um recomeço. Klairer havia arriscado sua própria vida por aquilo, por causa daquele desespero insatisfeito com a realidade ao seu redor, por causa da dor de ter de lidar com uma morte que há muito lhe havia sido avisada nas injustiças de um destino inevitável. Havia se revoltado com o universo e, orgulhosamente, se sucedera em sua tentativa ousada de recriar os acontecimentos dentro dele. Por mais que ela mal conseguisse erguer seu peito para inspirar vida ao redor, Klairer sabia que tudo valera a pena.

Ela tinha ido além. Muito além do que deveria. Mas não se arrependia. Tinha feito algo que ninguém jamais havia feito antes; e ninguém ousaria fazer. Klairer se tornara a mãe daquela nova linha temporal, sua criadora, sua deusa; mas aquilo tomara demais dela para que saísse ilesa. Naquele momento, apenas restava em Klairer um mínimo fragmento de mortalidade, mantendo-a na vida apenas por um fino fio de malha do destino.

Olhou devagar para a direita, – tão lentamente como se seu pescoço pudesse se quebrar no meio devido ao movimento – onde uma conhecida fileira de cadeiras ocupadas se estendia até a porta no final do corredor branco. O mesmo corredor; os mesmos rostos; a mesma porta; a mesma punição; o mesmo destino pelo qual todos aguardavam e que Klairer tinha se deixado voltar. Retornara à prisão no início de tudo; de onde um dia fugira pelo puro desejo de conhecer seu futuro e agora, que já tinha passado por ele, voltava. Estava pronta para finalmente enfrentar o que estava por trás daquela distante porta, depois de ter desafiado o destino tantas vezes, moldá-lo e recriá-lo de acordo com os próprios desejos. Klairer finalmente estava ali, rendendo-se ao que lhe fora planejado desde o início. Mas não se arrependia de nada que tinha feito entre o começo de tudo e seu retorno.

Estrela Caída| Versão Em PortuguêsOnde histórias criam vida. Descubra agora