47. Dialeto das Lembranças

1 0 0
                                    

Perdi-me onde já não sabia mais me encontrar.

Procurei-me nas fronteiras distantes da realidade.

Das profundezas de um buraco negro, no limiar do espaço, ouvi uma voz conhecida.

E a voz sussurrava para mim:

"Volte para casa, Kye. O mapa está ao alcance dos dedos.".

E o universo estava em minhas mãos, assim como eu estava nas dele.

Novo Milênio 7

Ele parou diante dos portões abertos do Cemitério de Buracos Negros, nunca antes fechado para restauração. Era tão ridiculamente minúsculo diante da magnitude surreal ao redor que imediatamente começara a perguntar-se sobre coisas que não se lembrava de ter se indagado antes: qual seria o propósito de algo tão pequeno como ele naquele universo tão extraordinariamente colossal? O que seria a consciência por trás daqueles seus olhos tão insignificantes, observando a beleza e grandeza do espaço morto? Qual fora a lei que ordenara parte do universo para transformar-se naquela condensação dentro dele suficiente para que pudesse experimentar aquilo que o criara? Apenas aquela visão surreal e quase incompreensível já tinha sido suficiente para fazê-lo indagar-se sobre quem e o que era, seu propósito, seu sentido, e a fragilidade de sua efêmera existência; o que então seria dele quando se conhecesse novamente e dissolvesse para a inexistência aquele que era no momento, ao finalmente ver a mentira na própria vida?

Não sabia o que aconteceria, mas esperava encontrar pelo menos algum propósito que o desse um último fôlego de determinação quando tudo aquilo acabasse. Qualquer coisa serviria. Até mesmo algo que envolvesse aquela insana desconhecida, com seus problemas que a impediram de terminar propriamente a conversa com ele. Não podia negar que estava curioso, movido pelo mistério em busca de respostas que o dessem pelo menos um nome a ela.

Ele precisava lembrar-se de Kye: um rapaz que gostava de sorvete de nebulosa e conhecia aquela garota o suficiente para que ela se obrigasse a ir atrás dele com a esperança de restaurar suas memórias, depois de algo ter acontecido para levá-lo embora as lembranças da própria vida. Precisava recordar-se daquele rapaz dentro dele, perdido, soterrado, calado; aquele que realmente era. Precisava encontrar-se naquele Cemitério de Buracos Negros; naquele cemitério de memórias esquecidas.

Ele resgataria Kye.

Ele resgataria a si mesmo.

• • • ∞ • • •

Entrou, cauteloso, no território que não era seu, intimidado pela imponência plácida dos buracos negros. Caminhou devagar entre as esferas flutuantes de escuridão, a distorcer, tais quais lentes gigantescas, a luz das estrelas distantes. Observara cada raio luminoso que passava por aquelas terras estéreis ser engolido para dentro daquelas crateras massivas no espaço; certamente nenhum ser de luz seria capaz de andar tão tranquilamente por ali, resistindo para não cair nas profundezas do desconhecido. A única coisa que o permitia vagar naquela área era a sua inegável e incontestável constituição de pura escuridão, que se camuflava ao resto do universo.

Atento, curioso e assustado, passou por inúmeros buracos negros, deixando-se perder-se entre eles e esquecer-se do caminho de volta. Se não descobrisse suas respostas, afinal, não importaria sair dali. Precisava encontrar-se; e só então se deixaria escapar. Mas onde estava? Em qual daqueles buracos negros estariam suas memórias abandonadas? Como saberia que aquelas lembranças realmente pertenciam a ele? E o que teria de fazer para recuperá-las? Ainda sem respostas, continuou caminhando pelo campo vasto e solitário, esperançoso de que suas dúvidas seriam sanadas quando o espaço tivesse piedade dele.

Estrela Caída| Versão Em PortuguêsOnde histórias criam vida. Descubra agora