43. Do Lado de Fora

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Parte 7

A fruta produz a árvore

Do Lado de Fora

Abri meus olhos.

Mas não estou acordando.

Estou adormecendo.

Finalmente conheci o lado de fora, onde apenas um cristal poderia me levar.

Eu não deveria estar aqui; mas a joia me protege. Sua energia se crava dentro de mim, guardando minha alma, impedindo-a de dissolver-se, preservando a minha consciência na existência, ainda que não haja mais um porquê de existir. Assim como nunca houve.

Eu entendo tudo agora. Eu vejo tudo. Vejo tão além que nunca um dia imaginara existir tanto para ser visto. E ao enfim saber o que sou, – saber o que me rodeia e o que me prende – consigo ver agora o quanto sou nada. Mas pelo menos agora sei disso.

Saber tanto dói. Meu único remédio é o esquecimento inevitável que me espreita. Espero pacientemente pela eternidade que não passa, ao mesmo tempo que já se foi.

Consigo enxergar o lado de fora. É tão assustador quanto pacífico; tão calmo quanto caótico; uma eternidade dentro de cada segundo; um universo dentro de cada centímetro. O tempo não passa por mim; e eu não passo pelo espaço.

Aproveito minha eternidade para fazer cartas com as verdades que ainda sei. Preciso compartilhá-las enquanto posso. Sei que não saberei para sempre; sei que quem deveria lê-las nunca as lerá. Releio a maior delas; e não há muito o que dizer, ainda que ela continue ali, dizendo algo.

Elas têm de se perder pelo tempo, para muito além de serem encontradas.

Eu espero que ela nunca as leia; espero que nunca tenha de chegar aqui para lê-las.

Porque acho que estou morto.

E não morrer de fato é o que me atormenta.

Talvez essa seja a maldição de ter poder demais: estar fora da vida e da morte. Talvez essa seja a punição.

Mas não é. Eu sei disso. Eu vejo agora. Vejo demais. Até mesmo o que eu não queria ver.

Vejo o fim e o começo; e também cada parte no meio. E vejo ela.

Eu ouço seus gritos distantes, implorando para as estrelas acima; vejo suas lágrimas, tão pequenas, engolindo-me como oceanos inteiros. O infinito cabe entre nós, mas eu ainda consigo tocá-la, ainda que não existam barreiras; ainda que ela não saiba.

A realidade parece um vidro fragmentado, tão turva que às vezes a imagem dela se transforma no meu reflexo. E assim eu me deparo comigo mesmo, encarando-me do outro lado do vidro. Tenho algo para me dar.

Aproxime-se.

Deixe-me contá-lo.

Volte para casa. O mapa está ao alcance dos dedos.

Perco parte de mim para mim e faço meu papel. Eu me abandono; como um eclipse terminado, ela retorna.

Ela parou de chorar. E eu vejo isso, ainda que eu me mantenha preso no instante que não passa, vendo-a chorar para sempre. Ela olhou para os céus, tocou os céus e seu suspiro se tornou um terremoto. A realidade, tão frágil e tão valiosa, ainda que tão confusa, se destrói ao nosso redor, rachando-se, desmoronando e mergulhando nas ondas circulares das ordens dela.

Esse foi seu desejo; e eu não consigo contestar.

Ela olha para mim.

E tenho a impressão de que ela me vê.

Mas antes que eu reaprenda a falar, ela desmaia.

E então só há escuridão.

Milênio ∞

Kye estava morto.

Estrela Caída| Versão Em PortuguêsOnde histórias criam vida. Descubra agora