23. Corridas Estelares

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Uma competição. Uma disputa. Uma batalha.

Eu estava torcendo por você, como se isso pudesse mudar o passado.

Nem mesmo você o mudara; talvez para não perder o presente de que sentiria saudade; talvez para não enfrentar um futuro que temia. Deveria eu torcer por algo que nem mesmo você lutara uma segunda vez para ter? Deveria eu torcer por algo que ia me fazer perdê-la antes mesmo de conhecê-la? Deveria eu torcer por um destino que julgo melhor, ainda que você tenha desistido dele em troca desse?

Você conhecia esse destino quando decidiu vivê-lo ao invés de qualquer outro?

Você teve alguma escolha para chegar até aqui?

Ou hoje é a punição de um amanhã pelo qual você nunca lutou?

De toda forma, boa sorte.

Eu vou continuar torcendo.

Milênio 5

– O que está planejando para o seu grande projeto? – A amiga de Klairer indagou. – Eu nem sei por onde começar o meu. – Abriu um sorrisinho incompetente.

– Isso tudo está me dando um pressentimento tão ruim... – Klairer confessou baixinho, sem saber o valor de um pressentimento para aqueles capazes de ler o futuro. – Toda essa competição, toda essa... Rivalidade. – E, principalmente, Topher. Ela não confessaria em voz alta, mas ele era o que mais a perturbava; e o que ele provavelmente estava planejando para se vingar da suave trapaça dela, ao tomar-lhe o óbvio posto de líder dos aprendizes.

– Isso é apenas nervosismo. – A amiga retrucou, descreditando as preocupações de Klairer. – Faça um bom trabalho e você terá sua posição garantida. – Ela cutucou a líder com o cotovelo. – Não se esqueça dos seus 77%. – Piscou.

Klairer não tinha se esquecido; o primeiro tropeço às bordas de um precipício infinito era simplesmente inesquecível. Ela se lembrava do susto de achar que perderia o chão para sempre; ela se lembrava do alívio de não perdê-lo; ela se lembrava das especulações de como seria cair naquela espiral infindável; e do desejo que a levou às bordas da queda no início de tudo.

Mas ela também não tinha se esquecido dos outros 23% de chance que pertenciam à concorrência. E do que Topher era capaz de fazer quando determinado – como, por exemplo, convencer o Imperador a aceitar uma criminosa para os aprendizes do Conselho. Ela não conseguia não se perguntar sobre o que ele era capaz de fazer com aqueles preciosos 23%.

Diferentemente de tudo o que tinha acontecido nos milênios anteriores, Klairer sabia que, dessa vez, as chances da líder dos aprendizes de se tornar a Imperatriz tinham caído para metade; porque agora a decisão estava nas mãos etéreas do destino.

Ou talvez até mesmo nas do acaso.

• • • ∞ • • •

Sentada em uma das mesas da sala de estudos do palácio, Klairer trabalhava cautelosamente em seu projeto, até se esquecer do universo ao redor. Envolvida apenas pelo silêncio sábio do ambiente, ela mergulhava nas profundezas da amostra de realidade que minuciosamente construía entre seus dedos. O tema dos projetos daquela seleção era a criação de uma realidade de bolso detalhada, harmônica e completamente perfeita, com um destino autossuficiente, um passado, um futuro, um início e um fim. O aprendiz que criasse o mais ideal protótipo de linhagem temporal, seria escolhido como Imperador do Destino, assumindo o trono após a morte do atual.

Determinada a vencer a disputa, – dessa vez honestamente – Klairer nadava por sua pequena realidade, saboreando o quanto ela era tão melhor do que aquela em que vivia. Talvez a pequenez do protótipo fosse a razão pela qual tragédias mal cabiam em sua cronologia; eram curtas demais para se sofrer com elas. Quando o destino se estendia para a eternidade, como o seu, era impossível de se escapar do sofrimento inevitável que surgiria em prol do equilíbrio; e, se algum dia existisse alguma tentativa de perfeição, ela logo se mostraria tão repleta de erros que não passaria de um exemplo de ingenuidade.

Estrela Caída| Versão Em PortuguêsOnde histórias criam vida. Descubra agora