Na hora certa vou cobrar

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Bruna chegou atrasada no trabalho, quase perdeu a hora. Enquanto apressava os passos no corredor, já ia se ajeitando e se preparando para entrar no ar. Quando ouviu um som, como um soluçar vindo de um camarim que estava escuro. Bruna franziu a testa curiosa e parou de andar, olhou para dentro e conseguiu visualizar Taís porém com alguma dificuldade pela escuridão.
- Taís? É você...? - Ela entrou na sala e viu a mulher cabisbaixa, confusa. Bruna abaixou para tentar ver o rosto da Taís.
- Preciso de ajuda... - Taís falou em  um sussuro.
- Posso acender a luz? - Bruna queria enxergar o rosto da Taís que parecia marcado. Taís consentiu com a cabeça e Bruna conseguiu ver seu olho roxo.
- Minha nossa Taís! Quem fez isso?
- Foi o Arthur... - Taís desmoronou, chorou copiosamente. Bruna abraçou a mulher que chorava insistentemente. Bruna passava a mão sob os cabelos da Taís e tentava acalma-la. Ela fechou a porta do camarim desativado e levou Taís até um sofá. Sentaram juntas e ela falou:
- Quero te ajudar, mas preciso entrar no ar... - Bruna falou olhando nos olhos tristes da Taís e continuou: - Olha, eu vou avisar ao diretor que você não vai poder comparecer. Mas gostaria que você não voltasse para sua casa. Pode ser perigoso... - Bruna vasculhou a bolsa e pegou chaves: - Toma. Vá para esse apartamento.
- Não, não. Não posso ir para a sua casa.
- Não se preocupe, esse apartamento não tem ninguém. Ele é só meu... - Bruna não entrou em detalhes, continuou: -Vou te passar o endereço aqui no celular e você vai para lá. Assim que eu sair do trabalho, vou te encontrar.
- Meus cachorros... Estão lá em casa.
- Vamos resolver isso. Não se preocupe. Apenas vá para o apartamento e fique segura. - Bruna olhou nos olhos de Taís.
- Obrigada, nunca vou esquecer disso.
- Não se preocupe. Nós mulheres precisamos nos ajudar. Agora vá, vá logo antes que alguém te veja assim. - Bruna queria apressar Taís.
Taís foi embora, Bruna falou rapidamente com o diretor sobre a falta da Taís, claro, não entrando em detalhes para preservar a integridade da amiga. Logo em seguida entrou no ar para apresentar o jornal. Ela estava apreensiva, preocupada com a Taís. Seu coração e sua mente estavam acelerados, só pôde apresentar o jornal, pois ela já o fazia automaticamente há anos. Além também de ter a pauta muito bem decorada na sua cabeça.
Assim que saiu do ar, Bruna apressou seus passos, e correu para o apartamento que ficava em uma região de classe média da cidade. O apartamento era uma herança do seu falecido pai. Ela o mantinha em segredo, pois gostava de ter esse espaço seguro, individual, e que um dia seria da Fernanda. Assim que chegou tocou a campainha algumas vezes e não foi atendida. Resolveu ligar para o celular da Taís, ela atendeu prontamente.
- Taís? Estou aqui na porta do apartamento... - Bruna falou angustida.
- Eu já estou chegando... - Taís falou com a voz ofegante. Elas desligaram o telefone e Bruna ficou sentada no chão do corredor, escorada na porta do apartamento. Aproveitou para resolver algumas pendências no celular. Logo em seguida Taís chegou com dois cachorros de porte pequeno no colo. Bruna franziu a testa confusa.
- Desculpa. Não podia deixar eles lá. São meus filhos... - Tais usava óculos pretos para disfarçar.
- Tudo bem...- Bruna sorriu e pegou um dos cachorros no colo, ela adorava animais e eles eram bem mansinhos. Taís sorriu para Bruna e abriu a porta do apartamento. Elas entraram e Bruna logo foi se sentar no sofá, ela estava cansada, apresentava o jornal todo de pé.
Taís tirou os óculos e agora Bruna podia ver o estrago. Além dos olhos, os braços também estavam roxos.
- Meu Deus Taís, está pior do que eu imaginava... - Bruna falou perplexa.
- Eu sei... - Taís estava triste, assustada, desolada. Bruna levantou do sofá, se aproximou, olhou nos olhos da Taís e falou:
- O que você quer fazer?
- Eu não sei... Preciso, mas não sei...
- Ele sempre foi assim?
- Não, não! - Taís sentou-se no sofá com um dos cachorros no colo e continuou: - Ele era um doce, carinhoso e muito prestativo. Sempre me apoiava... Até que apareceu o Tadeu, um amigo de infância. O cara começou a levar o Arthur para festas, bares,daí ele começou a beber e a bebida aflorou a agressividade dele.
- Isso tem quanto tempo Taís? - Bruna sentou no sofá a frente dela.
- Uns cinco meses... Nesse tempo ele já vinha me agredindo moralmente, relevei, achei que daquilo não passava. Mas me enganei, piorou tem duas semanas. Ontem ele ia espancar a pipoca - Taís apontou a poodle branca que estava no seu colo: - Daí eu me coloquei na frente. Prendi as cachorras no banheiro de empregada e segurei a chave, e então ele me espancou... - Taís começou a chorar com as mãos no rosto. Bruna respirou fundo, uma lágrima desceu dos seus olhos também, levantou, sentou-se do seu lado, e a abraçou.
- Calma, já passou. Você está segura aqui. - Bruna tentava acalmar Taís que aos poucos ia se recuperando do choro.
- Obrigada, você é um anjo que apareceu na minha vida. - Taís falou em meio a soluços, olhou nos olhos da Bruna e mais uma vez seus olhos se encontraram intensamente. Bruna percebendo, se recompôs e levantou do sofá suavemente para disfarçar.
- Você está pronta para denunciar? Ele está aonde agora?
- Agora ele está no trabalho... Acho. - Taís falou confusa.
- Acha? - Bruna questionou.
- Na verdade, ele me bateu era madrugada, acho que ele se assustou pelo que tinha feito e saiu assustado de casa e parecia tentar fugir. Fui la buscar as cachorras e elas estavam no banheiro ainda. Tudo estava igual, não parecia que ele tinha voltado...
- Covarde...- Bruna lamentou e continuou: - Você pegou alguma peça de roupa? Para você ficar aqui mais algum tempo?
- Não... Não quero atrapalhar.
- Taís, você não está me atrapalhando. Quero te ajudar de verdade. - Bruna de pé falou olhando com confiança nos olhos da Taís que estava sentada no sofá.
- Obrigada mesmo. Na verdade eu gostaria mesmo de denunciar o Arthur.
-Sim, vamos fazer isso juntas e agora mesmo. - Bruna apressou para pegar a bolsa. Taís colocou um pouco de água e ração para os cachorros, ela havia comprado e acompanhou Bruna.
No caminho para delegacia, Bruna ligou para a Didi.
- Didi, tudo bem aí em casa?
- Claro patroa.
- Hoje vou chegar tarde, você pode dar o almoço para Nandinha e cuidar dela pra mim? Ela está enjoada para comer e tomar banho, tem que insistir...
- Sem problemas, fica tranquila. O patrão está em casa.
- Rodrigo está fazendo o que aí? - Bruna indagou e continuou: - Deixa, depois converso com ele. Nesse caso, só da o almoço pra Fernanda que ele faz o restante. Obrigada Didi.
- Nem precisa agradecer... Vou deixar seu almoço na geladeira.
- Obrigada. - Bruna desligou o telefone e notou que Taís olhava para ela com admiração. Ela ficou sem graça e falou:
- Que foi?
- Nada... Você é uma pessoa incrível. Desculpa por atrapalhar...- Taís falou tocando rapidamente na perna da Bruna que imediatamente corou.
- Não está atrapalhando, fica tranquila.- Sentia frio na barriga com a Taís, mas ela não sabia se isso acontecia por conta da vulnerabilidade dela, ou se tinha algum sentimento aflorando.
Elas passaram a tarde inteira na delegacia, Taís  teve que fazer exame de corpo de delito e prencher diversos formulários bem detalhados. A delegada conversou muito com a Taís e chamou uma assistente social que passou todas as orientações que ela deveria seguir para se proteger. Bruna achou o atendimento muito acolhedor e esclarecedor. Um pouco burocrático, mas era necessário para que pudessem ter o álibi que iria justificar a busca e apreensão do Arthur.
Tais estava na sala com a assistente social e Bruna a aguardava do lado de fora. Estava cansada, já haviam pelo menos duas horas que estava ali sentada. Adiantara algum serviço no celular, e até mexeu com o projeto de pesquisa. Bruna era dessas que não ficava parada por muito tempo, estava sempre trabalhando, estudando ou cuidando da família.
Taís saiu da sala e se aproximou de Bruna:
- Terminou... Estou liberada. - sorriu aliviada.
- Que bom, e agora? O que vai acontecer?
- Me pediram para me manter segura até que encontrem o Arthur, vão fazer as buscas nos locais que informei. Depois que ele for preso, eu posso voltar para casa.
- Isso é ótimo. - Bruna respirou aliviada.
- Ele vai ter que responder pelas agressões e provavelmente será solto com pagamento da fiança.
- Daí não é perigoso? - Bruna indagou preocupada.
- Só se ele quiser ser realmente preso. O que acho que não seja o caso dele. A assistente social me explicou que ele não pode voltar para a casa, independente dele estar solto. Não pode se aproximar de mim também. Se ele ousar tocar em mim, ele é preso novamente e definitivamente por muitos anos.
- Entendi... Bom, parece menos pior.
- Ele é agressivo, mas não vai colocar a liberdade dele em jogo por ego. Ele é medroso... - Taís falou confiante.
- Ótimo! - Bruna levantou colocando a bolsa no ombro e falou: - Podemos ir?
- Sim, mas antes... - Taís abraçou forte a Bruna e sussurrou em seu ouvido: - Eu vou me recuperar disso tudo e vou ficar te devendo uma. - Bruna se sentiu desconfortável com aquele sussuro que fazia sua espinha gelar, se moveu urgentemente e saiu do abraço sem graça e sorriu desconcertada. Não sabia o que falar.

A Previsão do AmorOnde histórias criam vida. Descubra agora