Extra • Beijo sob o visco

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Dois anos antes do relojoeiro.


Havia apenas uma coisa que eu gostava mais do que a praia, e contraditoriamente, ela era seu extremo oposto: a neve do Natal.

Eu olhei pela janela duas vezes enquanto me arrumava em meu quarto, checando se ainda nevava. Do lado de fora, flocos finos e quase transluzentes se chocavam contra o vidro, o tornando embaçado e acumulando-se no batente externo. Na rua, tudo estava tomado por um branco brilhante e frio.

Eu estava ansiosa, para dizer no mínimo. Meu avô estava vindo de Montana para passar o Natal conosco, e eu não o via há um ano. Assim como ele, os Elliot também viriam participar, como um grande feriado em família. Na minha casa, tudo já denunciava a comemoração: as decorações nas paredes, as luzes coloridas dos pisca-piscas, o cheiro de biscoitos de gengibre que mamãe e Bill estavam tirando do forno.

Colocando um casaco escuro e um cachecol por cima do vestido vermelho, eu saí do quarto. No corredor e nas escadas, o cheiro da comida era ainda mais vívido. Segui o rastro do aroma até a cozinha, logo avistando Bill tirar uma fornada de biscoitos enquanto mamãe os punha num grande prato decorativo. Eles dois já estavam bem vestidos e produzidos para a noite que viria, e havíamos arrumado a mesa juntos mais cedo.

— Precisam de ajuda? — perguntei, me aproximando da comida em formato de homenzinhos, sinos e árvores de natal.

— Não, não se preocupe. — Bill respondeu, virando para me ver. — Acabamos de terminar — disse, desenfornando a última rodada e a pondo perto de mamãe na mesa.

— Graças ao melhor cozinheiro do mundo. — Mamãe falou, piscando para Bill e sorrindo. Eles eram como parceiros de crime.

— Vocês... — resmunguei, revirando os olhos.

Eles riram de mim, mas antes que eu pudesse responder, a campainha tocou, nos fazendo olhar em direção à sala. Mamãe rapidamente levantou para atender, mas eu já estava em meu caminho para a porta. Pelo horário, com certeza devia ser meu avô. Segurei a maçaneta com mãos ansiosas e empolgadas, e assim que a girei, o rosto senil e alegre apareceu pela fresta.

— Minha garotinha! — Ele exclamou, contente, largando a mala que trazia no chão e abrindo os braços.

Sem demora, eu me joguei no meu avô num abraço, me enroscando no seu cachecol e derrubando seu chapéu. Ele riu, agraciando meus ouvidos com sua risada meio rouca e doce. Quando finalmente me afastei para olhá-lo, seu cabelo estava bagunçado, mas seus olhos eram ternos para mim.

— Ah, que saudade — resfoleguei, o abraçando mais uma vez e apanhando o chapéu do chão. — Me desculpe pelo chapéu.— E limpei a neve da peça, a entregando de volta para ele. Vovô somente gargalhou e a apanhou despreocupadamente.

— Está tudo bem, querida. Algumas coisas nunca mudam, hum? — Ele falou baixinho, fazendo graça da situação. Eu sempre fora meio desajeitada.

— Pai! — Mamãe suspirou, vindo da cozinha com Bill.

Ela se aproximou com pressa e abraçou o pai com força e muita saudade. Vovô a acolheu, se afastando um pouco para olhá-la e para afagar seu rosto suavemente como se ainda fosse uma criança em seus braços.

— Cassie, meu amor, você não muda nada. Continua igualzinha à sua mãe. — Ele disse, acarinhando seus cabelos e beijando sua testa. — Ora, Bill, que bom ver você também! — exclamou assim que percebeu meu padrasto parado e sorridente atrás de nós.

Batendo os sapatos sujos de neve no tapete de entrada, vovô entrou e também abraçou Bill, dando algumas batidinhas em suas costas. Mamãe arrastou a mala dele para o hall de entrada e fechou a porta, cessando com o frio do lado de fora.

O Chaveiro de CoraçõesOnde histórias criam vida. Descubra agora