2 • Coisas quase ditas

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O sinal da escola soou pelo corredor abarrotado e barulhento. Pegando alguns livros no armário, eu olhei de esguelha para a foto colada no fundo dele: era um retrato do meu avô e da minha mãe, do último Natal em que estivemos juntos, há dois anos. Lembranças me vieram à mente, mas estando apressada, eu fechei a porta do escaninho e tentei trancar o cadeado sem deixar cair tudo que levava nas mãos.

— Parece que alguém está precisando de ajuda. — Uma voz familiar disse logo atrás de mim.

Eu me virei e meus olhos encontraram o rosto risonho e bonito de Amelie Li, minha velha amiga. Amy — como gostava de ser chamada — quase sempre estava de bom humor, mas algo no seu sorriso estava a deixando ainda mais radiante naquela manhã. Seu cabelo negro e liso estava bem penteado, caindo até a altura dos ombros. O preto intenso dos fios fazia um contraste lindo com sua pele clara e seus traços de ascendência chinesa, especialmente quando ela usava cores fortes como a blusa de listras coloridas que vestia.

Eu aceitei prontamente a ajuda de Amy, a entregando os livros que levava e fechando meu armário. Então, virando-me e a agradecendo, peguei minhas coisas de volta. Ela parecia muito animada.

— Que cara é essa, hum? Tem algo para me contar? — perguntei.

O sorriso de Amy se alargou e ela se aproximou de mim para cochichar entre risadinhas empolgadas:

— Eu vou pedir a Lena em namoro hoje à noite.

— Não brinca! — Eu falei alto demais no corredor. Rápida, minha amiga pressionou uma mão contra minha boca, abafando minha voz barulhenta.

Amy já saia com Lena Harley há meses, e eu sabia que ela gostava da garota muito mais do que queria admitir. O jeito como sorria e como seus olhos brilhavam quando estava perto dela a denunciavam descaradamente.

— Shhh! Você não pode contar para ninguém ainda, entende? Nem mesmo para o Greg. — Ela disse, descobrindo minha boca devagar.

Eu levantei as mãos ao alto como um bandido que se rende, recostando no armário com um sorrisinho sugestivo.

— Está bem, está bem.

Amy respirou fundo, aliviada, e começou a andar pelo corredor.

— Sei que é besteira, mas só não quero que ninguém crie nenhuma expectativa, okay? Especialmente eu mesma. — Ele confessou.

— Bem, não acho que tenha com o que se preocupar, mas te entendo. — Eu disse enquanto acompanhava seus passos, sorrindo carinhosamente. O olhar de Amy transbordava seu desejo de que eu estivesse certa. — Para onde vai levá-la?

Beachrock. — Ela respondeu com um saltinho animado, rindo de empolgação outra vez. Aquele era um ótimo restaurante à beira-mar. — E talvez para a praia depois, se o tempo ajudar.

— No caso, espero que tenha mais sorte com o clima do que tive ontem — murmurei, rindo sozinha ao lembrar da queda na loja do relojoeiro. Passei a mão pelo inchaço doloroso em minha cabeça e distraída com a lembrança, acabei esbarrando em alguém. — Desculpa! — pedi e virei para ver, mas seja quem fosse, já havia sumido na algazarra do corredor.

Maddie. — Amy chamou baixinho, cutucando minhas costas pelo cardigã. — Maddie, sua paixão platônica está vindo. — Ela disse ainda mais baixo, um sussurro que mal pude ouvir.

Confusa, eu voltei a olhar para frente. Então, logo entendi: Charlie Berry vinha em nossa direção. Ele caminhava devagar com suas roupas e mochila escuras, vindo ao encontro de ninguém em especial. Sua pele era negra e seus olhos e cabelos, profundamente pretos. Ele parecia mal se dar conta do quanto era bonito, espalhando despretensiosamente sorrisos charmosos e exibindo a altura e o corpo típicos do atleta que era. Mesmo de longe, eu podia ver o azul e os olhos da capa de O Grande Gatsby que ele trazia nas mãos enquanto cumprimentava as pessoas pelo caminho.

O Chaveiro de CoraçõesOnde histórias criam vida. Descubra agora