Capítulo 37

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Não revisado.

A madrugada havia entrado a tempo suficiente para levar qualquer alma viva dentro da mansão para uma boa noite de sono. Essa geralmente era a parte da noite que ficava bem mais fria. E tudo apenas piorava à medida que o tempo passava. Eu conseguia sentir o vento mais forte entrando pelas brechas do quarto. 

Mas por mais que eu quisesse acabar logo com isso, eu estava com medo, tinha medo de abrir a porta do quarto e me deparar com Ezra me esperando, que ele tivesse de alguma forma entendido os meus devaneios e despertado para não me deixar sair, abandona–lo. 

Eu o compreendia, meus pais verdadeiros haviam me abandonado, e eu havia sido encontrada vagando sozinha pelas planícies humanas, resto do que um dia havia sido uma vila habitada.

Eu estava triste por abandonar Ezra, principalmente porque eu entendia o que ele logo iria sentir. Mas eu esperava que fosse menos do que eu havia sentido, tinha fé nisso.

Encarei minha pequena mala sobre a cama, no escuro ela não era quase nada, apenas um borrão de alguma coisa robusta. Ela parecia até mais pesada do que realmente era, como se o peso dos meus sentimentos houvessem sido depositados juntamente com aquelas poucas mudas de roupas, parecia ainda pior do que eu sequer podia imaginar.

Minha cabeça pesou.

Ora vamos Zoe, seja corajosa, você é melhor do que isso.

Engoli o choro e agarrei a bolsa, transpassando ela pelo meu corpo. Talvez de manhã eu me arrependesse, mas naquele momento, por mais frio que estivesse, eu não devia ficar estática, eu não era uma estátua de gelo, eu era uma criatura, por mais baixa e insignificante, e eu ainda precisava agir com o máximo de dignidade possível, antes que definitivamente fosse impossível escapar de ser transformada em uma escultura, uma vaga lembrança do que eu era de verdade.

Atravessei o quarto lentamente parando por um momento para olhar a porta a minha frente, eu não conseguia distinguir muita coisa ali, mesmo de perto. Cacei no escuro, sem olhar para baixo, a maçaneta, o ferro frio em contato com a minha pele me deixou em alerta, fez uma espécie de sentimento pairar sobre mim, um sentimento mais pesado do que qualquer outro. Agarrei aquele ferro com força entre os dedos, respirando bem fundo, puxando a porta lentamente para trás, o suficiente para enxergar no próximo cômodo, ver o quarto de Ezra.

Naquela noite estava escuro, ninguém havia entrado para acender a luz com magia, nem mesmo Ezra. Eu estava supondo que ele sequer havia deixado o quarto depois do almoço com os meus pais.

Depois de um momento de avaliação, percebi com alívio que estava realmente sozinha, acordada, sem ninguém para me impedir. Puxei a porta abrindo espaço para passar, olhando uma última vez para o quarto que Ezra havia pessoalmente feito para mim, de algum jeito eu me sentia meio ingrata por estar fazendo isso com ele. Ezra definitivamente não me deixaria partir, e eu havia percebido que me sentia – mesmo aterrorizada e infeliz ao perceber –,  feliz por ele insistir para que fosse a primeira humana a ser rainha de um dos clãs.

A primeira humana que tinha uma vida mais longa em séculos. 

Mas eu estava fazendo isso para impedir uma guerra interna, eu não queria dividir o clã, jogar todos contra a suma sacerdotisa – mesmo que eu não gostasse dela – eu não queria forçar ninguém a aceitar minha presença.

Fechei a porta devagar, respirando fundo antes de me virar. Ver aquele espaço todos os dias ao sair do quarto, eu realmente gostava, apesar de ter pensando que aquela bendita ponte era ridícula, principalmente porque estava no que devia ser nossa sala, quer dizer, de frente para a sala. 

Dei um mínimo sorriso encarando ela. Eu não me esqueceria dela, nunca, e antes que eu sequer pudesse apagá–la da minha mente, eu a desenharia, com afinco e amor, do mesmo jeito que faria com os rosto imortais das pessoas com quem eu mais me importava, esperançosa de que um dia, antes de partir, eu os visse novamente.

Cetro de Gelo - O Canto do Lobo BrancoOnde histórias criam vida. Descubra agora