Capítulo 39

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Não revisado.

Era frio, solitário e escuro.

Mas eu ainda assim estava atravessando aquela extensão florestal que claramente me levaria até o Clã das Almas, onde eu iria me juntar aos meus semelhantes e esquecer o passado. Meu passado ficava para trás a cada passo que eu dava para longe dali, longe do rio, longe da capital do Clã do Inverno, longe de Ezra.

Talvez no final, eu tenha percebido que … tinha algum sentimento por ele, um de verdade. Acho que ele ficaria feliz se soubesse, mesmo que eu jamais fosse conseguir admitir de verdade. Não para ele, mas eu tinha mais do que certeza de que ele ficaria feliz em saber que eu havia pensado nele nos últimos minutos da minha vida como um pai em potencial para crianças que não existiam e jamais existiriam.

Um uivo soou alto e agonizante. Eu não esperava que fosse encontrar algum animal pelas terras no plano espiritual, mas ele aparentemente estava lá. Os pelos da minha nuca se arrepiaram quando ele uivou novamente, parecendo desconsolado, abandonado e perdido, eu tive que olhar para trás, para ter certeza de que não havia nenhum animal atrás de mim, ele parece estar tão perto, mas eu tinha a sensação de que estava extremamente distante, assim como Ezra, separados pelo véu entre o mundo dos vivos e o mundo dos espíritos. Eu tentei andar mais rápido, mas meus sentimentos ainda estavam ali, não batendo, mas vivos de alguma forma, dentro do meu peito.

Parei por um segundo, lançando para trás outro olhar. A suma sacerdotisa me usaria para expulsar os humanos das terras imortais e finalmente escravizá-los, de novo, e eu não poderia fazer nada para impedir, ninguém saberia de seu crime, todos culparão os meus semelhantes, de ter assassinado a futura rainha do clã. 

Ela sabia exatamente o que fazer todas as vezes.

Suspirei ainda encarando o escuro. Eu tinha que continuar andando.

Quando me voltei para o meu caminho na escuridão, me dei conta de que talvez fosse demorar mais do que eu gostaria para chegar até lá. Eu sempre achei que a travessia fosse iluminada pela luz da lua, acompanhada por vagalumes e companheiros do mundo todo que vagavam até o clã para buscarem descanso e paz – pelo menos era o que os sacerdotes diziam – mas eu estava sozinha no escuro e claramente, quem sabe perdida.

Eu não podia continuar ali, e voltar para a capital, seria como admitir que eu estaria assombrando eles, e eu não estava muito afim de assombrar ninguém, não quando eu ficaria muito mal pelas possibilidades que eu havia perdido, não quando eu não poderia fazer algo, não de verdade.

De qualquer forma, algum sacerdote iria vir do Clã das Almas para me guiar até o clã em algumas semanas. Então seria melhor apenas continuar.

Eu talvez tenha andado sozinha no escuro por tempo demais, mas para uma pessoa morta, não faria muita diferença, chegar ainda essa noite ou na seguinte, de qualquer forma eu teria chegado, estaria ali andando entre os humanos e conversando com os meus semelhantes, e finalmente poderia ver o que acontecia dentro da capital, na verdade no interior da capital. 

Já que apenas membros do clã e os espíritos mortos podiam adentrar.

As folhas secas estalavam sob os meus pés, causando uma espécie de reverberação fantasmagórica ao redor, outro uivo triste que soou na escuridão me deixando assustada e com a leve sensação de que, talvez meu caminho escuro era por culpa da minha vida horrível.

Não que eu tivesse feito algo terrível, porque se eu tivesse feito estaria me lembrando dele e sendo assombrada, mas … talvez eu tivesse feito inconscientemente. 

Não tinha como saber, não antes de chegar até lá.

Eu atravessei o que achei ter sido o território do Clã do Verão inteiro, antes de avistar qualquer sinal de vida, e quando achei que estava de fato perdido, avistei o caminho de que os sacerdotes sempre falavam, mas ele não era para mim, havia um jovem caminhando entre os vagalumes, sendo guiado. 

Cetro de Gelo - O Canto do Lobo BrancoOnde histórias criam vida. Descubra agora