02.ㅤㅤos condenados 𓂃

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Realidade: 024
REINOS UNIDOS DE AURADON

Quando a guerra começou, os mais ricos e influentes se refugiaram em um palácio na capital cercado por escudos. Lá, eles decidiam os planos de defesa e ataque, mas também condenavam aqueles de seu lado que a maioria considerava culpado pelo colapso.

A cela vazia servia para o eco de pensamentos melancólicos. A única distração ou necessidade dos membros do corpo se movimentarem era quando a grade rangia, expondo uma silhueta masculina de algum guarda e o tintilar ríspido dos talheres enferrujados, que cobriam qualquer comida podre que fosse jogada para ele com um gosto metálico enfático.

O guarda real se retirava na mesma pressa que adentrava o cômodo úmido, antes que o prisioneiro tivesse tempo ou força para erguer a perna e chutar a bandeja rachada de volta para o linear no portão do cárcere.

As barras da janela quadrada eram entortadas, ele observava os ferros retorcidos analisando cada centímetro e fragmento. Sabia que mesmo tendo todas as linhas arrancadas, ainda não teria espaço para seus braços atravessarem, quem dera seu tronco inteiro, era estreito demais.

Em dias sem sorte, governantes e aristocratas da elite de nariz empinado desfilavam pelo corredor e alcançavam seu fim, observando o cubículo quadrado atrás de resistentes grades. E então admiravam o antigo rei como quem despreza o mais miserável animal do zoológico.

Ben apenas desviava seus olhos e se encolhia no canto daquela cela escura, sentindo a sujeira entre os dedos.

─ Condená-lo foi a melhor decisão que esse governo já tomou ─ uma mulher de pele cor amêndoa, cabelo alto e roupas extravagantes o olhou da cabeça aos pés, com uma taça em mãos. Uma segunda mulher de cabelos ruivos e mais um cara magricelo de roupa formal se colocaram ao lado da primeira, admirando aquela visão igualmente.

─ Vocês deram um golpe de estado ─ disse Ben entre dentes. ─ Me colocaram nessa prisão, nessa masmorra, sem crime algum. Vocês vão afundar o que sobrou desse país.

─ Não, queridinho ─ o homem deu mais um passo, sentiu o cheiro de ferrugem e enrugou o nariz. ─ Você afundou esse país quando deixou nosso poder nas mãos de filhos estúpidos de vilões. Que ingênuo você. Achando que demônios podem viver dentro do paraíso.

─ Nosso reino nas mãos escorregadias de uma criança ─ disse a ruiva, cruzando os braços. ─ O que poderíamos esperar?

─ Eu tentei dar uma segunda chance para eles, tentei ser mais justo ─ Ben engoliu em seco. ─ E descobri da pior maneira que isso é impossível. Não com a ignorância perdurando dos dois lados.

─ Não pode salvar todos, foi esse o seu erro ─ a primeira mulher da taça se aproximou igualmente, balançando sua bebida. ─ A prioridade é sempre o povo limpo. E agora mendigos e prodígios estão queimando lado a lado, valeu a pena?

─ Eu faria diferente ─ Ben se arrastou daquele canto, tocando as grades e sentindo o perfume abusado daqueles três voando até seu nariz. ─ Mas não mudaria meu objetivo. Igualdade.

─ Então, que bom que só há uma chance de se escrever a história ─ disse o homem. ─ Caso contrário, você mataria esse povo duas vezes.

Os três balançaram a cabeça com ainda mais indiferença, se virando e marchando para longe de Ben, que os via se afastar e desaparecer pela escuridão do corredor.

Em dias com sorte, o silêncio ensurdecedor era interrompido pelos passos sutis de Lumière. Algumas vezes ele trazia notícias, em outras, algum jantar decente.

Mas naquele dia, ele encarava os arredores com atenção dobrada, e um molho de chaves em mãos. Benjamin reconheceu as intenções dele, e rapidamente negou com a cabeça.

─ Se te pegarem vão te punir ─ Florian pôs os dedos sobre o cadeado, os olhos apreensivos. ─ Lumière, não.

─ Senhor, não se preocupe comigo ─ o mesmo deu tapinhas contra a mão de Benjamin, encaixando a primeira chave e dando mais uma olhada sobre seu ombro. ─ Ouvi dizer que Merlim abriu portais ─ Lumière pôs a segunda chave, girando e destrancando a grade, ele encarou o rosto encardido de seu antigo rei. ─ Você ainda pode fugir.

─ E deixar meu povo nesse fim de mundo?

─ Você não pode fazer nada, de qualquer forma. O golpe tirou todo o poder que o senhor tinha ─ Lumière puxou o portão, esperando um Benjamin paralisado caminhar para a liberdade. ─ Sinceramente, alteza... Esses portais são nossas únicas chances. Você ainda é jovem, e saudável, descubra uma nova vida lá fora ─ uma nuvem de melancolia atravessou a face do empregado. ─ É isso o que seus pais iriam querer.

Ben apertou os olhos, fechando os punhos e em seguida caminhando para fora das grades. Até mesmo o ar parecia diferente daquela cela, ele encarou as paredes ao seu lado e avançou mais um pouco, tentando reconhecer algo além da escuridão do corredor. Benjamin se virou ligeiramente para Lumière de volta com urgência.

─ Me leve até ela antes.

【 . ─ .✶. ─ . 】

─ Já ouviu as boas novas? O povaréu deu um fim na filha da Bruxa do Mar.

Um marmanjo baixo de gravata e rosto redondo encarava o piso de vidro sob seus pés, direcionando sua voz alta às pequenas frestas para que a criatura dentro daquela cápsula abaixo do chão escutasse. O vidro que cercava o cárcere tinha magia para que a mesma não escapasse dali.

A sala era toda quadrada e branca, com uma única cama pequena e desconfortável em uma lateral, mas na maior parte do tempo a criatura apenas sentava no chão e encostava a cabeça na parede, como naqueles instantes.

─ Você ouviu? ─ gritou o engravatado irritante. Ele gargalhou junto dos guardas ao seu lado, encarando de cima a garota de cabelos loiros e roxos desbotados. ─ Não se preocupe, docinho. Tenho certeza que você é a próxima.

Mal Bertha não se deu ao trabalho de levantar o pescoço e lançar um olhar fulminante àqueles homens. Apenas abafou a capacidade de seus ouvidos e voltou a se perder em seus pensamentos.

Não importa o quanto Mal fugisse, ela sempre voltaria para uma prisão no fim do dia.

De forma brusca, sua mente foi invadida pela voz de Merlim, ela arregalou os olhos, e repetiu mentalmente as palavras do mago, as digerindo. Fujam. Eu ordeno que fujam.

guerreiros de cinzas ━ ouat x descendentesOnde histórias criam vida. Descubra agora