Mulher de Vermelho

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Passada algumas horas, o pesadelo aterrorizante permanecia na mente de Sara. Sentia que a mulher de vermelho continuava por perto, observando-a, esperando para pegá-la, perturbando-a como uma assombração.

O ataque, a angústia sentida no sonho, rodava em sua mente como um filme, repetindo-se a cada instante de silêncio. E, sozinha no quarto - e até mesmo no restante do apartamento -, silêncio era sua amiga íntima. A única, lamentou ao desistir de trocar os canais e desligar o televisor antes de largar o controle remoto na cama.

Respirou fundo e se levantou. Precisava conversar com alguém, colocar em palavras sua aflição e acabar com a impressão maluca e desagradável deixada pelo pesadelo.

Teve vontade de contar para Rodrigo, e só não o fez por ele estar de saída para o trabalho. Já era incomodo imaginar que ele se atrasou ao se preocupar com ela.

Entrou na cozinha e aproximou-se de Marta. A jovem estava concentrada em seu serviço, preparando algo com um cheiro maravilhoso.

— Marta...

Se virando com uma colher de pau na mão, Marta fitou Sara com curiosidade. Não se surpreendia em ver a patroa por perto depois de tudo que aconteceu no dia anterior, mas mesmo assim achava esquisito ter Sara por perto.

— Em que posso ajuda-la, senhora Montenegro?

— Primeiro: Já pedi pra me chamar só de Sara; segundo: preciso de alguém pra desabafar, e você é a única pessoa por perto no momento. Se puder me ajudar nisso, agradecerei muito.

Marta franziu a testa, encarando Sara como se esta tivesse enlouquecido.

— Desabafar? Sobre o quê?

Sara sentou e descreveu em detalhes seu pesadelo, enquanto Marta dividia sua atenção entre ela e o cozido. Ao término, Sara se sentia uma tola por continuar assustada com um sonho besta, e ainda mais por sentir que a mulher de seu sonho a perseguia mesmo depois de desperta.

Marta desligou o fogão e se virou para Sara com a expressão pensativa.

— Minha mãe sempre diz que por trás de todo sonho há um significado especial.

— Qual seria nesse caso? — Sara quis saber curiosa.

Marta inspirou fundo e lamentou:

— Não sei te dizer, senhora, creio que depende da pessoa e da situação.

Sara fitou pensativa as próprias mãos, e uma ideia criou forma em sua mente.

— Obrigada por me ouvir, Marta — agradeceu e se levantou.

Deixou Marta terminar seus afazeres e marchou de volta para seu quarto. Abriu a última gaveta da mesinha de cabeceira, do lado esquerdo da cama, até encontrar uma caixinha que vira no dia anterior, pegando algumas notas que havia em seu interior, e uma agenda.

Sentou na cama e abriu a agenda. Continha diversos nomes e sobrenomes, a maioria desconhecidos, mas seus olhos estavam focados em encontrar uma única combinação. Exultante ao encontrar o que necessitava, saiu ansiosa do quarto e depois do apartamento.

Do lado de fora do edifício, viu um ponto de táxi e caminhou decidida até o motorista mais próximo.

— Por favor, me leve até esse local — pediu, apontando com o indicador o endereço escrito na agenda.

O homem fez que sim com a cabeça e Sara entrou, ajeitou-se no banco de passageiros e colocou o cinto de segurança. Ao longo do caminho, distraída observou as pessoas, carros e paisagens, enquanto pensava no que diria ao chegar ao seu destino. Podia não ajudar em nada, mas se havia algo a ser interpretado em seu sonho estava indo ao encontro da pessoa certa para ajuda-la.

~*~

Por mais que quisesse, Rodrigo não conseguia manter o costumeiro foco em seu trabalho, seus pensamentos insistiam em voltar para o ocorrido naquela manhã. Os gritos, as lágrimas, o medo refletido nos olhos de Sara e, acima de tudo, a sensação que ela continuava assustada o perturbava. Lamentava não ter seguido seu primeiro instinto, ficado em casa e perguntado o que a deixou tão apavorada.

Parecia algo estúpido de se considerar, mas, depois que chegou ao escritório questionou-se se Sara sonhou com o acidente, ou com a briga que tiveram antes dele ocorrer. Logo afastou a segunda opção, visto que ela jamais o agradeceria por nada se lembrasse da última briga deles. Mas a primeira suposição era possível.

Cansado de se torturar com esses pensamentos, pegou seu celular e discou o número de casa. A empregada atendeu após o segundo toque.

— Casa dos Montenegro, com quem falo?

— Com Rodrigo Montenegro. Quero falar com a minha esposa.

— Só um momento, senhor.

Demorou para alguém retornar a linha e, quando isso ocorreu, para surpresa de Rodrigo, novamente foi Marta que falou com ele.

— Senhor Montenegro... não sei o que aconteceu... — A voz dela saia como se estivesse sem ar, confusa. — A senhora Montenegro estava aqui comigo... mas agora... não sei...

Sem entender em que ponto a empregada queria chegar com aquelas palavras desencontradas, mas com uma sensação ruim, Rodrigo apertou o celular com força.

— Onde está Sara?

Houve um breve silêncio do outro lado da linha, mas conseguiu ouvir a empregada respirar fundo, como se estivesse juntando coragem para o que diria a seguir.

— Desculpe senhor, não sei. Ela saiu sem que eu percebesse.

Soltou um palavrão, desligou o celular, largando-o sobre sua mesa, se levantou e, por alguns segundos, andou desnorteado por sua sala.

Não fazia ideia do que passava pela cabeça dela para sair sozinha. Onde Sara iria sem memória? Perguntou-se, tentando raciocinar com clareza. E se Sara teve uma lembrança como suspeitava? Condenou-se internamente por não ter perguntado o que ela sonhou.

Vestiu seu terno, afundou o celular no bolso e saiu da sala com passos ligeiros em direção aos elevadores.

— Aonde o senhor vai? — perguntou Karen ao vê-lo passar apressado.

— Para casa.

Karen o seguiu espantada.

— O senhor tem uma reunião daqui uma hora — o lembrou na intenção de fazê-lo desistir.

Ao chegar aos elevadores, Rodrigo apertou repetidas vezes o botão para descer.

— Cancele — disse sem ao menos olha-la.

As portas do quarto elevador se abriram e Rodrigo apressou-se até ele.

— Mas...

— Sem "mas", apenas cancele — ordenou antes de entrar no elevador e apertar o botão do estacionamento.

As portas se fecharam e Karen ficou sem entender o que fez Rodrigo sair daquele jeito, em horário de expediente, antes de uma reunião e ainda por cima dizendo que iria para casa. Aquele não era o centrado Rodrigo Montenegro que conhecia.

Cerrou os punhos com força ao se dar conta que ele iria ao encontro de Sara. O que aquela mulher aprontara para fazer Rodrigo agir de modo tão incomum?

Páginas em Branco ~ DegustaçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora