Andava temerosa por uma estrada de terra, os pés descalços afundavam a cada passo tornando o caminhar mais difícil. A camisola de seda branca era fina demais e o frio naquele lugar era cortante, se abraçava com força na esperança de manter o corpo aquecido.
O local não tinha qualquer tipo de iluminação e o manto da noite, sem lua ou estrelas, deixava o aspecto ainda mais sombrio. Nas calçadas as casas pareciam abandonadas, as árvores e a grama estavam secas como se naquele lugar não chovesse a um bom tempo. Estranhamente sentia que conhecia o lugar e, por isso, continuava a caminhar sem rumo.
— Por aqui, Sara.
Do nada, teve o braço puxado por uma versão juvenil de si mesma, vestindo uniforme escolar, até uma construção que reconheceu se tratar da escola estadual de Cezário. Pega de surpresa, só se soltou de sua cópia quando já se encontrava dentro do colégio vazio, encontrando somente várias portas fechadas em um longo corredor. Observou a sua cópia tentar, em vão, abrir uma das portas, depois outra e outra, ao desistir olhou para ela com um sorriso triste.
— Ela não vai nos deixar passar.
Ao terminar de falar sua cópia sumiu, nesse momento, Sara sentiu um frio intenso e ouviu o ruído de uma porta sendo aberta, junto com um murmúrio choroso de mulher:
— Me sinto sozinha... Ele nunca está por perto... Somente o som das minhas lágrimas...
O medo disparava seu coração e prejudicava sua respiração, seus olhos vasculhavam a sua volta. Percebeu que uma das portas estava aberta, se aproximou e olhou para dentro, mas não enxergou nada. Avançou um passo, na intenção de entrar, mas a porta fechou com um estrondo e a voz chorosa soou mais alta e raivosa.
— Fico nervosa quando penso no melhor dos anos que se passaram... Estou em pedaços...
A voz parecia estar próxima, embora não visse nada e nem ninguém, sentiu uma golfada de ar gélido a suas costas e ouviu bem junto ao ouvido a voz chorosa sussurrar:
— Em pedaços...
Ao se virar viu aterrorizada uma mulher vestida de vermelho, a face e o cabelo cobertos de sangue, dos olhos saiam feixes de luz esverdeada, tentou se afastar, mas a mulher a segurou pelo pescoço. Tentou gritar, mas a voz não saia.
— Me sinto sufocada... Tenho que sair... chorar... Estou sozinha...
Quem estava sufocando era ela, pensou sentindo a garganta se fechar com a pressão dos dedos finos. Apavorada, bateu com força no braço da mulher para se soltar, mas em vez de se libertar, foi erguida do chão pelo aperto forte em seu pescoço. Morreria estrangulada a qualquer minuto.
De repente no chão, logo abaixo de onde era erguida, um enorme buraco negro se abriu, aumentando seu pavor, queria que a soltasse, mas se isso ocorresse cairia no vazio. A mulher a sua frente parecia à morte vindo busca-la.
— Sara! — Ouviu outra voz ao longe chama-la, tão distante que não poderia ajuda-la.
— Certa vez me apaixonei... — a mulher confessou ainda com a voz chorosa e Sara sentiu um aperto doloroso no coração, como se alguém o apertasse com a mesma força que era utilizada em seu pescoço.
Debateu-se ainda mais desesperada, tendo o pescoço espremido e ferido por unhas afiadas. Novamente, tentou gritar, mas era como se a voz estivesse presa no local em que a mulher apertava, nenhum som saia de sua garganta.
— Sara, acorda! — Ouviu a outra voz chama-la novamente, mas não via ninguém além da mulher de vermelho e olhos brilhantes.
Um sorriso maldoso surgiu na face ensanguentada da mulher, o aperto em seu pescoço aumentou, parecia que ela pretendia separar sua cabeça do resto do corpo.
— Agora estou simplesmente desabando... — ao declarar isso a mulher a soltou.
Se debatendo durante a queda, Sara foi sugada pelo buraco negro.
~*~
Vendo a esposa se debater e berrar alucinada, Rodrigo procurava acorda-la, mas era difícil. Sara girava de um lado para o outro, as mãos movimentando no ar como se tentasse afastar-se de algo.
— Sara, acorda! — chamou mais uma vez, vendo que finalmente ela despertava.
Meio adormecida e apavorada, Sara continuou a se debater e gritar. Rodrigo tentava conter os movimentos da esposa, sem muito sucesso, levando vários tapas e se dando conta que Sara tinha a mão muito pesada para uma mulher.
Rodrigo se deitou sobre ela imobilizando-a com seu peso, as pernas prendendo as dela e a forçando a ficar com os braços parados ao lado do corpo. Era incomodo ficar naquela posição, mas era melhor que levar bofetadas e chutes.
— Calma, Sara! — Rodrigo ordenou com a voz autoritária.
Parando de berrar Sara encarou Rodrigo com os olhos arregalados. Ele conseguia sentir o coração dela pulando frenético no peito, a respiração apressada batia em seu rosto, a testa dela estava molhada de suor, por culpa de todo aquele descontrole.
Surpreso quando ela começou a chorar, a soltou. E um segundo depois ela enlaçava seu pescoço. Concluindo que Sara buscava seu apoio - duvidava que quisesse algo mais -, rolou com ela em seus braços, de forma a inverter as posições, deixando-a sobre o corpo dele. Mantendo um braço em volta da cintura dela, deslizou suavemente os dedos pelos fios acobreados, tocando de leve a face da esposa.
O silêncio pesou quando o choro cessou. Refeita do pesadelo, Sara envergonhou-se ao notar que Rodrigo a segurava contra o peito e acariciava seus cabelos. Sem graça, se afastou e sentou na cama, olhando para qualquer direção menos para o homem deitado ao seu lado.
Rodrigo respirou fundo, se levantou e passou as mãos por seu terno risca de giz ajeitando-o.
— O que faz aqui? — Sara interrogou sem encara-lo.
— Estava de saída quando ouvi você gritar.
— Ah! Foi um pesadelo.
As palavras saíram da boca de Sara em um trêmulo murmúrio, mas Rodrigo compreendeu. Teve vontade de perguntar que tipo de pesadelo a deixara naquele estado, mas não tinha certeza se ela lhe responderia, por isso preferiu se retirar.
— Vou trabalhar. Se precisar de algo me telefone.
Após falar isso, Rodrigo teve uma inesperada vontade de rir. Antes do acidente não precisava falar algo desse tipo, e temia os telefonemas da esposa, sempre interrompendo seu trabalho por causa de alguma questão fútil e sem sentido. Agora tudo entre eles mudara. Cansado de pensar sobre como preferia mil vezes os telefonemas inúteis ao distanciamento dela, se virou para sair do quarto.
— Rodrigo, espere!
Virou-se para Sara, observando-a andar em sua direção e se surpreendendo quando os braços femininos enlaçaram sua cintura, a face apertada contra seu peito.
Como um gesto, que antes não dava tanta importância, podia ser tão maravilhoso? Perguntou-se a estreitando em seus braços, sentindo o cheiro dela junto a uma enorme necessidade de beija-la.
— Obrigada por estar por perto — Sara agradeceu.
Porque sentia que aquelas palavras deviam ser acompanhadas por um "dessa vez"? Esse pensamento foi como um balde de água fria sobre Rodrigo e o fez sentir-se desconfortável com o abraço de puro, e unicamente, agradecimento. Seus braços já não a rodeavam com tanta intensidade como antes daquelas palavras, mas não se afastou.
Ela levantou o rosto e o fitou, no olhar um brilho de gratidão incomum, a face ainda molhada pelo suor e as lágrimas.
Como se estivesse sobre o efeito de um feitiço, Rodrigo levou a mão esquerda até o rosto da esposa e com o polegar apagou o rastro que as lágrimas deixaram. Estavam tão próximos que com um leve movimento, um inclinar, conseguiria voltar a sentir os lábios dela junto aos seus. A ideia o atraia. Podia faltar no trabalho e ficar o dia todo com ela.
De repente Sara se afastou com um sorriso triste.
— Você tem que ir trabalhar.
O relacionamento deles tinha mudado demais, concluiu o Montenegro sentindo um vazio no peito.
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Páginas em Branco ~ Degustação
Romance+18 ~ Sara dedicou dez anos de sua vida a Rodrigo Montenegro, seu marido ~*~ - Gritar não resolverá nossos problemas, só me irrita, Sara. - Tudo te irrita - retrucou farta de lutar por aquele casamento. - Queria nunca ter me apaixonado por um egocên...