Pedido

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Somente depois de meia hora que o casal Montenegro saiu é que Marta teve coragem de pegar seu celular. Fitou por alguns minutos o celular em sua mão. Não deveria pensar tanto para efetuar aquela ligação, afinal, só conseguira aquele emprego porque Isabel falsificou uma carta de recomendação e vários dados de seu currículo, tudo para que a informasse do que acontecia no lar dos Montenegro.

Sem Isabel permaneceria servindo drinques para um bando de bêbados tarados em algum bar barato ou coisa pior. Em vez disso, ganhava um salário alto para fazer quase nada em um apartamento aparelhado até o teto, recebia ainda mais dinheiro das mãos da loira e bônus quando a deixava feliz com as informações.

O problema era que no começo era fácil cumprir o combinado. A senhora Montenegro a azucrinava por qualquer motivo, gritava sempre que se estressava - normalmente com algo relacionado com o marido -, e tinha um verdadeiro ataque de histeria quando Marta chegava antes do senhor Montenegro sair para trabalhar. Na verdade, ela tinha um ataque de tirania, já que a fazia limpar um mesmo lugar três ou mais vezes. Mas agora... Parecia outra, o mesmo cabelo, os mesmos olhos, a mesma aparência física, mas totalmente diferente na personalidade.

Nunca que veria a antiga senhora Montenegro na cozinha, muito menos... Olhou rapidamente para a mesa... Nunca mais olharia naquela direção e pensaria em comida do mesmo jeito... Era a segunda vez que interrompia o casal em um momento de intimidade, momentos que nunca vira antes.

O que fazia nunca parecera tão errado, uma coisa era ajudar a separar um casal que não demonstravam qualquer sinal de amor ou afeto, outra bem diferente era prejudicar pessoas que pareciam se desejar de verdade.

Balançou a cabeça para apagar os pensamentos de culpa e fazer o que tinha de fazer. Podiam parecer apaixonados, mas ainda eram o mesmo casal cheio de problemas, assim como à senhora Montenegro e Sara eram a mesma pessoa, se justificou mentalmente encontrando na agenda do celular o número de Isabel e chamando. Ficou feliz ao ser atendida no primeiro toque, impedindo qualquer chance de desistência.

— Sara avisou o marido de que irá a galeria.

— Mas ela disse sobre o Gomes?

— Pelo que pude ouvir, não.

— Ótimo, logo acabarei com ela. Obrigada por tudo Marta, logo de envio mais um cheque.

A ligação foi encerrada antes de ter sua pergunta respondida, o que não era uma surpresa. Resignada jogou o celular dentro de sua bolsa e se afastou, como se isso pudesse anular o que fizera. Seu olhar novamente se moveu para a pia, sentia que por algum tempo ao olhar para aquele cantinho veria o casal Montenegro a encarando com censura. Se é que duraria naquele apartamento até o fim de semana chegar.

~*~

Diferente da primeira vez que entrara no hospital Santana em busca de sua madrinha, Sara foi bem recepcionada no balcão de atendimento por Olivia. Embora a loira ainda a olhasse com desdém, se prontificou a anunciar sua chegada e informou o caminho para a sala da diretora com um sorriso, forçado lógico.

Encontrou Tatiana fora da sala, ansiosa sua madrinha foi ao seu encontro e a abraçou com força.

— Finalmente trocou aqueles terninhos e vestidos bregas por uma roupa mais jovem — disse ao se afastar ainda mantendo as mãos nos ombros de Sara, observando-a de cima a baixo. — Fez bom proveito do cartão do senhor iceberg. Está magnífica! — elogiou levando Sara para sua sala. — A que devo a sua visita? — perguntou sentando-se em sua poltrona e indicando a cadeira a sua frente para Sara.

— Quero lhe fazer um pedido... Sei que não deveria, mas...

Percebendo que Sara não se sentia a vontade com o que pediria e curiosa, se inclinou para frente ansiosa, mas logo se irritou com a demora da afilhada em fazer o tal pedido.

Páginas em Branco ~ DegustaçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora