Eu lembro

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Andando apressada entre as várias cabines da redação de uma das revistas de maior circulação de São Paulo, Marta cumprimentava alguns conhecidos, mas só parou ao chegar na ocupada por uma mulher de cabelo loiro preso em um coque.

Sem reparar a chegada dela, a mulher estava concentrada na tela do computador a sua frente, os dedos movendo-se ligeiros pelo teclado, dando os últimos retoques no texto.

— Boa noite, Isabel — cumprimentou para chamar sua atenção.

Instantaneamente, Isabel levantou-se e abraçou Marta, dando-lhe um beijinho em cada bochecha da jovem.

— Que bom vê-la, Marta — declarou observando-a com um sorriso astuto. — Se esta aqui é porque tem novidades muito importantes, imagino.

Marta assentiu e, mesmo sentindo-se péssima por não cumprir a palavra dada, contou:

— Sara... a senhora Montenegro, marcou um encontro com outro homem.

Isabel ouviu atenta sobre a saída de Marta com Sara, o encontro com Robson e o compromisso de se reverem na segunda. A cada nova informação, mais satisfeita ficava. Finalmente, após tanto tempo aguardando uma oportunidade, teria sua vingança.

— Obrigada, Marta! Essa informação é muito valiosa — comemorou eufórica.

— O que pretende fazer?

— Em breve saberá — Isabel respondeu sorridente.

Apertando os lábios, Marta conteve a vontade de questionar novamente Isabel. Demonstrar para a maior inimiga de Sara Montenegro que tinha a consciência pesada era uma péssima ideia.

— Como vai, Marta? — ouviu uma conhecida voz masculina perguntar as suas costas.

Virou-se e sorriu para um homem de cabelo castanho encaracolado curto, olhos castanhos claros, que no passado namorou por dois anos.

— Bem, Gabriel.

Isabel se interpôs entre eles e, após empurrar para atrás da orelha uma rebelde mecha loira, sorriu amplamente para o redator-chefe da Famous.

— Marta já está de saída, não é verdade? — Perguntou para a jovem, mantendo a face sorridente voltada para Gabriel, embora seus olhos não transmitissem a mesma alegria esfuziante de antes.

— Sim. Até mais!

Após a partida de Marta, Gabriel fitou Isabel com dureza.

— Posso crer que conseguiu algo contra a Montenegro?

— Acertou.

— Até quando vai levar essa briga improdutiva em frente?

— Até Sara pedir perdão. E, quando ler a matéria que planejo, verá que foi produtiva.

Um sorriso fraco se desenhou nos lábios de Gabriel.

— O que ocorreu foi a mais de um ano, passou da hora de esquecer — aconselhou.

— Nunca perdoarei a humilhação que passei por culpa do ciúme anormal dela — Isabel retrucou ácida. — Você não estava aqui, não sabe o que passei e não pode opinar.

— Nem a Montenegro deve saber. Pelo que ouvi falar ela perdeu a memória.

— Acontece que eu lembro — resmungou voltando a se sentar e prestar a atenção no computador.

Como esquecer a vergonha passada diante de seus superiores, quando Sara entrou em seu local de trabalho e, além de lhe dar um tapa, insinuou aos berros que sabia de seu caso inexistente com o marido dela? Ou apagar da memória que após isso foi tachada de inadequada para o cargo de redatora-chefe? Era óbvio que perdeu o posto por causa do chilique desnecessário da Montenegro.

— Não vai me impedir — avisou ao homem que continuava parado ao seu lado.

— Nem quero — Gabriel garantiu antes de apontar para a tela do computador dela. — Quando terminará esse artigo?

— Daqui a pouco te entrego.

De canto de olho observou Gabriel andar devagar até a sala que ocupava no fim do corredor. Tinha de assumir que a perda do cargo teve suas vantagens. Um exemplo foi terem contratado um redator-chefe muito atraente, embora sério demais. E, graças a contratação dele, conheceu Marta, que trabalhou na limpeza da redação até Isabel convencê-la a tentar a vaga na casa dos Montenegro.

Um acordo vantajoso para as duas. Marta ganhava dois pagamentos e Isabel tinha informações de cada passo da Montenegro.

Como imaginou, o rostinho bonzinho da jovem passou pelo julgamento ciumento de Sara, dando a Isabel acesso à vida da ex-amiga. Não que fosse difícil, a ruiva trocava de empregada a toda hora e, provavelmente, antes do acidente já preparava a carta de demissão de Marta.

Em meses não tinha obtido grandes informações. A vida de Sara era vazia e tediosa, uma sucessão de horas perseguindo cada mínimo movimento do marido. Mas, finalmente, teria a tão sonhada revanche.

Um sorriso libidinoso se moldou em seus lábios com o pensamento de que, assim que terminasse de se vingar de Sara Montenegro, teria tempo para colocar em ação um novo plano, dessa vez para conquistar certo redator-chefe.

Páginas em Branco ~ DegustaçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora