Figura acinzentada

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Flutuava por cima das belas casas de Cezário, a leve brisa da manhã acariciando sua face e esvoaçando seu longo cabelo ruivo. Uma sensação de liberdade a invadia enquanto observava as pessoas caminharem em câmera lenta pelas ruas.

Tudo tão bom e sereno.

Ao pairar sobre sua casa a urgência a atingiu. Tinha que se apressar e arrumar a residência antes que sua mãe chegasse do trabalho.

Lentamente, pousou em frente à porta de madeira, agarrou a vassoura de piaçava e começou a varrer a frente da residência afastando folhas e sujeiras trazidas pelo vento.

Virou-se pra entrar, mas antes que virasse a maçaneta foi abraçada pelos ombros por uma eufórica jovem de cabelo loiro e olhos azuis.

Sarinha, o Júlio te convidou pra festa que vai dar ao amigo dele que chegou da capital?

— Sim, fui — confirmou, em seguida indicando desanimada: — Mas não vou.

— Por quê?

— Você sabe por que, Isabel.

— Ainda nessa. — Isabel apertou as bochechas da amiga com ambas as mãos, obrigando Sara a encara-la. — Qual é, Sara, vai curtir a fossa por quanto tempo? Ele te largou. Bola pra frente.

— Ele prometeu voltar e me buscar.

— Ai, amiga, isso foi um ano atrás, e desde então nenhuma notícia, nem uma cartinha ou mensagem. Supere.

— Talvez tenha razão.

— Sempre tenho razão — garantiu Isabel com um sorriso caloroso. — Olhe, lá vem o Júlio, e com o amigo gostosão.

Rindo pelo comentário da amiga, que achava todos os caras do mundo gostosões, Sara olhou na direção que Isabel apontava e viu Júlio ao lado de...

Estreitou os olhos esverdeados na esperança de focalizar melhor a pessoa, mas não conseguia, no máximo identificava um borrão acinzentado ambulante. Mesmo sem distinguir a pessoa, com o coração acelerado, se ouviu declarar fascinada:

— Parece um modelo de revista!

Caminhou até a figura acinzentada e, ao se aproximar, deixou que ele enlaçasse sua cintura, unindo seus corpos.

A luz do dia foi gradativamente trocada por uma meia-luz, o som de uma música romântica enchia seus ouvidos e aquecia seu coração próximo ao dele.

Dançou com a figura acinzentada, a cabeça apoiada no peito dele ouvindo suas batidas cadenciadas, a felicidade transbordante por estar nos braços dele. Ao término da balada levantou o rosto, sentindo uma quentura nas bochechas ao lhe oferecer os lábios.

Aguardou ansiosa pelo beijo. No entanto, a forma acinzentada se afastou, lhe dando as costas após dizer com uma voz desprovida de sentimentos:

— Não vou negar que seja bonita, mas não faz meu tipo.

Aquela declaração doeu, destroçou seu coração e fez tudo ao seu redor rodopiar.

Fechou os olhos com força, a angústia do abandono se expandindo, sugando sua vitalidade, fazendo-a desejar ser amada de qualquer forma por ele.

Ao reabrir os olhos se viu na quadra da escola, vestida com o uniforme e sentada na arquibancada assistindo um jogo de basquete. Ao seu lado a figura acinzentada afastava suas mãos das dele.

Páginas em Branco ~ DegustaçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora