Sumiu

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Rodrigo chegou ao apartamento furioso, com Sara por sair sem avisar, com a empregada por não perceber a saída da patroa e consigo por não seguir o instinto de ficar em casa, ou, pelo menos, perguntar o que Sara sonhou a ponto de deixa-la assustada.

No trajeto até sua casa telefonou para Tatiana. Teve esperança de que a madrinha de sua esposa soubesse de seu paradeiro, mas só conseguiu dor no ouvido com os berros ofensivos da médica.

Assim que abriu a porta Marta o encarou com evidente espanto e medo. Rodrigo, além de não reparar no estado da empregada, antes que ela pudesse dizer uma só palavra a agarrou pelos braços perguntando aflito:

— O que Sara disse ou fez antes de sair? Porque não percebeu nada?

Marta o fitou aterrorizada com a inesperada reação do patrão. Nunca o vira tão irado. Em realidade, pouco o via desde sua contratação, agora o homem entrou no apartamento e descarregou perguntas como se fosse um policial e ela uma criminosa. Para piorar sua situação, ele apertava seus braços com força.

Que culpa tinha se Sara decidiu passear sem avisar? Não era responsável por Sara, e nem era paga para reparar ou questionar os passos da patroa, mas lhe faltava a coragem para dizer isso ao Montenegro.

— A senhora Montenegro me contou um sonho estranho e pediu minha opinião. Depois não faço ideia do que fez... Estava ocupada, senhor... Está me machucando — reclamou.

Respirando fundo para controlar-se, Rodrigo soltou a empregada e se afastou dela.

Marta não tinha culpa de Sara decidir irrita-lo em tão pouco tempo de volta ao lar. E a forma utilizada dessa vez era bem pior que das outras, por ser inesperada, levando em conta que sem memória ela não conhecia nada na capital.

O interfone tocou e Rodrigo correu para atendê-lo na expectativa que fosse a esposa. Lamentou ao ser informado que Tatiana exigia subir. Pensou em negar, porém, o encontro com a furiosa médica era inevitável — e havia a possibilidade dela o ajudar —, então liberou a passagem.

A primeira atitude da madrinha de Sara ao atravessar a porta foi dar um tapa forte no rosto dele.

— O que fez com a minha afilhada?

Sem responder, Rodrigo se limitou a passar a mão sobre a bochecha atingida, o olhar exasperado fixando-se em Tatiana.

— Se Sara tiver sofrido outro acidente, juro que acabarei com a sua miserável vida, Montenegro.

— O porteiro a viu entrar em um táxi — informou, repassando o que ouviu do pobre homem que praticamente chacoalhou em busca de respostas antes de seguir para seu apartamento.

— Para onde?

— Se soubesse não teria te telefonado e ela já estaria aqui — respondeu com desagrado.

— É o marido dela, deveria saber.

— Acontece que Sara se esqueceu desse fato — resmungou.

— Bem, até onde lembro mesmo que ela se lembrasse de lhe dar satisfação, você não ligaria.

— Ouça Tatiana, não necessito de suas críticas sobre o meu casamento — retrucou odiando ser transformado em vilão.

Assumia que foi um marido ocupado, sem paciência com as exigências da esposa e tinha sua parcela de culpa pelo acidente em que ela perdeu a memória, mas sempre a respeitou e cuidou.

Se encararam com desgosto, cada qual tendo seus motivos para aborrecer-se com o comportamento do outro.

— Querem algo para beber? Um suco gelado enquanto procuram a senhora Sara? — ofereceu Marta na tentativa de quebrar a tensão no ambiente.

Marta não entendia o motivo das agressões, física e verbais, mas não queria ter de separar os dois, por isso interviu para voltarem a focar em procurar Sara. E torcendo que aceitassem um suco de maracujá para acalmar os ânimos.

Rodrigo não respondeu. Marta interpretou como um sinal de recusa.

— Um chá de camomila por gentileza. — pediu Tatiana antes de se sentar no sofá da sala e encarar Rodrigo com dureza. — Temos que pensar num lugar em que Sara iria.

Rodrigo entortou a boca com desgosto. Não queria a ajuda de Tatiana, mas dizer isso a ela estava fora de cogitação. Além disso, a médica se negaria a sair antes que Sara aparecesse.

Sentou no sofá a pouca distância da médica, orando para Sara aparecer o mais breve possível. De preferência antes que as discussões entre ele e a madrinha da esposa recomeçassem.

~*~

Na cozinha, Marta fechou a porta, colocou a água para o chá no fogo e pegou seu celular no bolso do uniforme.

— Sou eu Marta — anunciou após a pessoa atender.

— Novidades?

— Sim. A senhora Montenegro saiu de casa sem avisar ninguém, sumiu — comunicou com a voz baixa por medo de ser descoberta. — O senhor Montenegro não sabe onde encontrá-la. Nem mesmo a madrinha dela sabe.

— Hum! E o que aconteceu para que Sara sumisse?

Narrou a estranha conversa de manhã, a preocupação de Sara com um sonho sem sentido. Contou sobre o telefonema de Rodrigo, quando percebeu que a senhora Montenegro não estava em casa. E finalizou com a discussão acalorada entre o Montenegro e Tatiana.

— Imagino o espetáculo. Tenho que desligar agora, me mantenha informada de tudo, certo?

— Sim, claro.

A ligação foi encerrada. Marta se apressou a preparar o chá a fim de não despertar suspeitas.

~*~

Frustrada, pela milionésima vez desde que Rodrigo saiu apressado do escritório, Karen olhou seu relógio de pulso. Havia se passado mais de quatro horas e o expediente se aproximava do fim. Era obvio que ele não retornaria como pensou a princípio. Sara conseguiu prender a atenção de Rodrigo, ponto para a ruiva, amargou, os dedos martelando furiosamente o teclado do notebook da empresa.

O elevador abriu e Karen levantou de imediato, a esperança de ser Rodrigo renovada. Um instante foi o suficiente para reconhecer Júlio, resmungar decepcionada e retornar ao lugar. Como sempre fazia, o sócio insuportável de Rodrigo a ignorou e seguiu diretamente à sala do Montenegro.

— Rodrigo saiu.

O loiro a encarou confuso, a mão fechada na maçaneta.

— O que disse?

— É surdo agora? — perguntou com desprezo antes de repetir: — O Rodrigo saiu. Disse que iria para casa.

— Por quê?

— Como vou saber? Não sou vidente.

Estreitando os olhos azulados, Júlio teve uma vontade enorme de demitir a funcionaria pela petulância, só não o fez porque Rodrigo não iria gostar e a recontrataria. Seu sócio se achava inteligente, mas fizera a maior besteira ao contratar Karen. Aquela mulher era uma cobra venenosa.

Voltou para o elevador e apertou o botão do décimo primeiro, andar em que se situava sua sala. Ao chegar ao destino, passou direto por seu secretário, entrou em seu escritório e, com o celular em punho, ligou para o amigo.

O sócio era viciado em trabalho, algo muito grave tinha de ocorrer para que Rodrigo saísse antes do expediente acabar. Ao ser informado do sumiço de Sara, encerrou o dia de trabalho e, determinado a ajudar de alguma forma, foi para a casa dos Montenegro.

Páginas em Branco ~ DegustaçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora