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Os dias passavam devagar para Rodrigo Montenegro. Dividia-se entre o trabalho, o hospital e a solidão de seu apartamento. Em nenhum desses lugares se sentia bem. No trabalho pensava na esposa; no hospital evitava aproximar-se dela, que o encarava com medo; e no apartamento... O lugar não era o mesmo sem ela.

Durante as noites solitárias, passou e repassou a discussão que tiveram no dia do acidente, o que s aumentara sua culpa e a raiva por ter sido tão duro com a esposa. Se pudesse voltar no tempo...

— Senhor Montenegro?

Despertou de seus devaneios e olhou irritado para o funcionário que se atrevera a lhe chamar a atenção. O pobre homem encolheu-se em seu lugar. Rodrigo passou o olhar para os demais funcionários, sentados ao redor da grande mesa de reunião de sua empresa. Todos repetiram a reação do primeiro.

Era temido por ter gênio difícil e não gostar de ser interrompido de forma alguma, mas naquele momento o errado era ele. Estava numa reunião e sua atenção estava em outro lugar. Óbvio que nunca admitiria isso.

— A reunião está acabada, voltem para suas funções — ordenou impassível.

Sem cerimônia, os funcionários recolheram seus papéis e saíram com o passo normal, mesmo querendo correr para bem longe do chefe. Somente sua secretaria permaneceu sentada ao seu lado, mas, assim que ficaram a sós, a ruiva curvilínea se levantou, posicionando-se atrás de Rodrigo para massagear seus ombros.

— Essas preocupações desnecessárias te deixam tenso. Isso não lhe faz bem, Rodrigo. — Deslizou as unhas pintadas de vermelho pelo tórax masculino. — Assim que Sara assinar os papéis sua vida ficará melhor. — Ela inclinou-se para sussurrar no ouvido de Rodrigo. — Eu prometo que te ajudo no que precisar.

Rodrigo afastou as mãos da secretária com brutalidade.

— Quero ficar sozinho. Volte para o seu devido lugar assim como os outros fizeram, Karen — ordenou sem olhar nem um segundo para a surpresa estampada no rosto dela.

Karen não acreditava que Rodrigo a expulsava quando oferecia seu amor incondicional para acabar com a solidão dele.

Estava indignada com a rejeição constante de Rodrigo. Sabia muito bem o porquê da distração do chefe, todos sabiam. Mas isso seria passageiro, logo conseguiria que o poderoso Rodrigo Montenegro fizesse o que ela queria. Ele se arrastaria pelo chão atrás dela e a desejaria como esposa, assim que removesse a pedra sardenta de seu caminho.

Por hora, aceitaria passivamente a única opção que o homem que mais amava no mundo lhe oferecia, por enquanto.

— Como queira, Rodrigo — resmungou insatisfeita.

Sozinho, Rodrigo apoiou os cotovelos na mesa de madeira polida, uniu as mãos na frente do rosto, os polegares sustentando seu queixo, e repassou aquela semana incomum.

Não houvera progressos com Sara. Exames e mais exames foram feitos, mas ela só se lembrava de coisas que não o incluía: amigos, lugares e, mesmo que nunca tenha dito, namorados que tivera antes de conhecê-lo... O nome Robson o atormentava há dias.

Estava estressado e não conseguia disfarçar seu desagrado, o que, por sua vez, deixava Sara incomodada com sua presença e gerava reprimendas da parte da doutora Tatiana.

A doutora era o demônio em forma de mulher, não temia ele de forma alguma e gritava — sempre que podia — que ele era um ignorante e coisas piores. Ninguém havia sido tão dura com ele quanto à madrinha de Sara, nem seus pais.

Não conseguia se concentrar, seus pensamentos tão calculistas tinham entrado em desordem e seu trabalho se encontrava atrasado. Era difícil não misturar o pessoal com o profissional quando sua vida se encontrava de ponta cabeça. Se fosse algum de seus funcionários já teria sido demitido, pois, nunca acreditara que problemas pessoais interferiam no trabalho. Seria tolerante dali para frente com esse tipo de caso.

— Oi, sócio!

O grito estridente ecoou pela sala e fez Rodrigo sobressaltar-se e encarar o homem a sua frente, seu melhor amigo e sócio, Júlio Castro, com raiva. Não que o outro se importasse. Anos de amizade tinham anulado qualquer precaução dele, se é que algum dia tivera.

— O que quer com todo esse escândalo?

Júlio não se importou com o tom nada cordial, estava habituado ao comportamento antissocial de Rodrigo. Fingindo não notar o olhar irritado que Rodrigo lançava em sua direção, andou até a cadeira ao lado do amigo e sentou.

— Ouvi que o "supremo senhor Montenegro" sonhava acordado na reunião do balanço semestral.

Rodrigo bufou. Odiava que falassem dele pelas costas.

— Quem falou isso?

Júlio deu de ombros, abrindo um sorriso enorme e despreocupado, sua marca registrada.

— Ninguém em especial. Não serei responsável pela demissão de ninguém.

— Onde estava com a cabeça quando montei sociedade com você?

— Na grande soma de dinheiro que contribui — Júlio respondeu rápido, depois apoiou as mãos na mesa, a expressão ficando séria. — Mas não vim aqui lembra-lo disso. É o estado da Sara que o preocupa, certo?

Rodrigo já imaginava o rumo que a conversa tomaria. Desde que vazara a notícia que sua mulher o deletara da memória - era isso que constava em uma certa revista de fofocas -, várias pessoas se aproximaram para "consola-lo". Demorou a Júlio se incluir na lista.

— Não é da conta de ninguém minha vida pessoal — respondeu seco.

— Sou seu amigo e da Sara também. Embora tenha me afastado dela.

Rodrigo levantou a mão para deixar claro que não queria que ele falasse mais nada.

— Não preciso de explicações sobre o porquê de ter se mantido afastado. — Rodrigo desviou o olhar e murmurou chateado. — Embora, nesse momento, Sara provavelmente lembra-se de você com carinho.

— Provavelmente. — Júlio fez questão de deixar claro que ouvira o sócio. — Por isso pensei... Na verdade, é uma ideia da Laura... Não conseguiria pensar nisso sozinho...

— Fale logo.

— Laura quer visitar Sara. Terem sido melhores amigas talvez ajude na recuperação.

Aquela oferta fez Rodrigo olhar o amigo com desconfiança. Júlio ajudar Sara em sua recuperação não era surpresa, mas Laura.

— Laura quer tentar isso mesmo? Depois de tudo que a Sara disse da última vez que estivemos todos reunidos?

— Você sabe que a minha esposa não é de guardar rancor. A ideia partiu dela, pode ter certeza que Laura só quer ajudar.

Era tentador, mas Rodrigo temia o caos no hospital caso Sara fosse desagradável com Laura. Se restasse algo de sua tempestuosa esposa dentro de Sara, ela não gostaria de fortalecer os laços desfeitos.

— Melhor esperar Sara voltar para casa, depois pensamos nessa possibilidade.

— Não seja cabeça dura, Rodrigo, é uma boa alternativa.

— Prefiro pensar que Sara recordara tudo assim que estiver em casa. Nesse caso, ela não vai aceitar a presença da Laura por perto.

Júlio riu com nervosismo e coçou a nuca. Conseguia rever com clareza objetos pesados voando em sua direção e na de Laura.

— Você está certo. Melhor não irritar a Sara. Estaremos à disposição no que precisarem, com ou sem a memória restabelecida.

Mesmo sem demonstrar, Rodrigo ficou feliz por ter amigos dispostos a ajuda-lo, mesmo que isso significasse fechar os olhos para as atitudes desagradáveis que Sara tivera nos últimos tempos.

Páginas em Branco ~ DegustaçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora