Bom marido

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O silêncio que se formou ao redor de Sara e Rodrigo durante todo o percurso até a casa dos Castro incomodava ambos, mas nenhum tinha a intenção de quebra-lo.

Rodrigo dirigia concentrado na estrada, embora consciente da irritada esposa ao seu lado. Não era do tipo que gostava de conversar, mas aquele silêncio entre eles o incomodava. No entanto, não seria o primeiro a falar algo, o orgulho sendo o culpado dessa decisão. Estava inconformado com a acusação de adultério e em ser transformado, mesmo que em sonho, em um espectro cinza.

Apertou com força as mãos no volante para controlar a raiva que o dominou, a maior parte concentrada contra si. Deveria imaginar que havia alguém por trás dos ataques insanos de ciúmes.

Ao seu lado, Sara deslizava angustiada as mãos pelo vestido floral de alcinhas, que terminava pouco acima dos joelhos. Um de seus pés, coberto por uma delicada sandália de salto, batia nervosamente no piso do carro. Encontrava-se indignada com o marido recém-descoberto, traidor e que não a ajudava em nada.

Como ele tinha coragem para trair, mas não tinha para assumir seus erros e revelar o que ela precisava? Como podia existir alguém tão frio ao ponto de omitir informações e desmentir o óbvio? Todo aquele pouco caso em ajuda-la só confirmava que tinha outra escondida em algum canto, ou mais de uma... Não que se importasse se Rodrigo tinha uma ou várias mulheres...

"Mentirosa, você se importa".

— Não me importo — esbravejou nervosa com seus pensamentos inconvenientes.

— O quê?

Depois de olhar um instante para Rodrigo, balançou a cabeça, para apagar o pensamento de que ele ficava atraente de camisa polo preta e calças jeans, e virou o rosto para a janela do seu lado.

— Sara, sei que não lembra, mas somos casados e me ignorar não resolve nossos problemas.

— Mentir e omitir também não resolve — retrucou, voltando sua atenção para o Rodrigo, concentrado na estrada.

— Hum...

— Não faça "Hum" pra mim — exigiu.

Não sabia bem porque, mas aquele resmungo aumentou sua irritação.

— Não seja infantil.

— Infantil? — Encarou o perfil do marido com raiva. — Já considerou que se falasse mais a respeito do nosso casamento, do que tínhamos antes do meu maldito acidente, talvez, só talvez, eu ficasse mais tranquila?

— Não há nada a dizer — Rodrigo resmungou sem tirar os olhos da estrada.

— Nada? Tenho dez anos apagados da minha mente. As poucas memórias que tive foi de uma droga de telefonema, de uma mulher afirmando que podia esperar de braços cruzados que você estava com a sua amante, e que você fazia pouco de mim na...

— Não existe amante alguma — Rodrigo a cortou com frieza.

— Eu sei o que lembrei, tá? Pode parar de bancar o bom marido e...

— Sou um bom marido.

— Quer parar de me interromper? — gritou irada.

Sara tinha um desejo insano de arremessar a bolsa, pousada em seu colo, sobre a estátua de mármore que era seu marido, tamanha a raiva, indignação e medo que a dominava. Tinha pavor de continuar ao lado de alguém que não conhecia direito, que era frio o suficiente para não tentar ajuda-la a se recordar, que parecia querer que continuasse sem memória.

— Chegamos — avisou Rodrigo.

Somente naquele momento percebeu que tinham passado por um portão de ferro, seguindo por uma estrada particular que levava a várias e enormes casas. Rodrigo dirigiu até outro portão, menor que o anterior, e que dava passagem para uma belíssima construção de dois andares.

Páginas em Branco ~ DegustaçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora