Seguindo as indicações de Suzana, Sara saiu do hospital e foi engolfada pelas ruas movimentadas, observando tudo com fascinação e assombro.
Em Cezário suas caminhadas eram tranquilas, com paradas para cumprimentar alguém, fofocar sobre algo, se perder nos próprios pensamentos e apreciar a paisagem natural. Com exceção dos dias de calor, em que iam praticamente na cidade vizinha para nadar no lago, ou as excursões escolares, rotina era a mesma. E era impossível o script sair diferente em uma cidade de pouco mais que mil habitantes e poucas opções de diversão.
Foi colocar o pé na calçada fora dos portões do hospital, para Sara perceber o quanto a capital era imensamente diferente. Todos andavam apressados, alguns tinham os olhos fixos em telas de celular, e ninguém parecia interessado no que os cercava. E nem havia muito a apreciar além das construções. Eram bonitas, deformas, tamanhos e utilidades diferentes, porém Sara sentiu falta da sombra das árvores, quase inexistente no caminho que seguia, para diminuir o calor intenso daquele dia.
Abanando-se com as mãos, suspirou aliviada ao ver a placa com a inscrição Space Cyber Café. Era um local pequeno, o balcão na entrada tinha sobre ele uma vitrine com salgados e doces, e uma cabine com uma moça de cabelo roxo sentada do outro lado mascando chiclete.
Entrou e analisou o ambiente. Havia seis cubículos de cor azul escuro e com divisões de vidro fosco, cinco de um lado do salão e um do lado em que ficava o balcão de atendimento. Também, a partir do balcão, contava com duas banquetas altas e espaço para a pessoa comer ou usar notebook, ou ambos como era o caso de um rapaz sentado em uma delas. Com exceção de uma banqueta, todos os lugares estavam ocupados.
Foi até a jovem no balcão, de cabeça baixa e distraída no celular, e perguntou como funcionava o uso dos computadores. A moça indicou o valor a ser pago pela hora, acrescentando ao perceber que ela não tinha notebook ou celular em mãos:
— Se quiser aguardar uns quinze minutos, aquele rapaz vem todos os dias e costuma sair as três e meia hora. — A moça apontou discretamente um jovem de longo cabelo cacheado no terceiro cubículo no outro extremo.
— Quero sim — disse e, após uma sonora reclamação de seu estômago, comprou enroladinho de salsicha, coxinha e refrigerante antes de acomodar-se na banqueta vaga.
Atenta, assim que o rapaz desocupou a cabine, recolheu seu lanche e seguiu até a vaga, ansiosa em acessar a rede social que utilizava no dia a dia.
Sabendo das chances de ter trocado a senha, principalmente por ter escolhido usar o nome de seu ex-atual-em-sua-mente-namorado e o ano de nascimento dela, não se assustou quando o acesso foi negado. Inspirou fundo e, na nova tentativa, torceu para sua versão dez anos mais velha seguido o mesmo rumo de inspiração para senhas. Dessa vez digitou o nome Rodrigo e o ano de nascimento dela. Recusada. Encostou-se a cadeira, fechou os olhos e suplicou por uma dica das lembranças perdidas. Nenhuma. Sempre tinha sido óbvia em suas senhas, antes do namorado usava o nome de sua mãe ou o dela, junto com a data.
Abriu os olhos, teclou e apertou em logar.
— Aha, conseguir!!! — comemorou com um grito e pulinho ao ter a senha aceita: o nome do marido e o ano do casamento.
Sua comemoração atraiu olhares curiosos, e alguns reprovadores, dos demais ocupantes do lugar. Até a mulher no balcão largou o celular para ver o motivo do berro.
Envergonhada, puxou o assento mais para frente, ocultando-se o quanto podia, e buscou as informações que necessitava na tela do computador.
Havia mudanças evidentes, e esperadas, em seu perfil. A foto, que antes era dela com Robson, agora mostrava ela com Rodrigo no dia do casamento.
Acessou cada canto da rede e não obteve as informações que esperava. Encontrou montes de fotos dela com Rodrigo, em todas ele parecia forçado a estar ali. As poucas conversas com outros usuários eram superficiais e tinham sido nulas um ano após o casamento. Infelizmente, notou que havia parado de usar a rede social pouco tempo após o casamento e, antes disso, removeu as imagens que ela lembrava ter postado. Tinha se tornado uma mulher que apagava recordações com amigos para substituí-las por fotos de casal, lamentou.
— Irônico, apaguei minha vida antes do Rodrigo — resmungou descontente consigo — Com quem me tornei — se corrigiu, censurando com o olhar a sorridente Sara estampada no perfil. — O que você fez com a nossa vida, Sara Montenegro?
Moveu os olhos pela tela, buscando nela, e em si mesma, uma forma de organizar as ideias e encontrar algo para ajudá-la a sair do limbo que se tornou suas lembranças dos últimos dez anos.
Sua vista foi atraída pela palavra amigos. Tinha menos do que se lembrava, muito menos, mas ainda assim precisou ir na lupa de pesquisar amigos para acessar a que queria. Digitou o nome de Isabel, esperando conseguir falar com ela através da internet, mas sua melhor amiga de infância não constava na lista.
Tentou o de Laura, a segunda amiga mais próxima de que se lembrava. Também não constava.
— Não cultivei as velhas amizades? — queixou-se triste.
Deslizou os olhos verdes pela tela sem esperança de obter algo ali. Então uma ideia ousada formou-se. Digitou um novo nome e um sorriso luminoso cresceu em seus lábios ao obter, finalmente, um retorno.
Uma hora depois, satisfeita por obter uma pequena pista do passado, entrou em um táxi e indicou o endereço para retornar ao apartamento dos Montenegro.
Ainda tinha muitas dúvidas, aumentadas consideravelmente ao descobrir que não mantivera contato com as amigas de infância. Precisaria de tempo e paciência para desvendar a pessoa que se tornou. Podia ter pouca, quase nenhuma, paciência, mas tempo possuía de sobra. Conseguiria juntar as peças do quebra cabeça dos últimos dez anos, acabaria com todas as dúvidas e tomaria controle de sua vida e futuro, determinou confiante.
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Páginas em Branco ~ Degustação
Romance+18 ~ Sara dedicou dez anos de sua vida a Rodrigo Montenegro, seu marido ~*~ - Gritar não resolverá nossos problemas, só me irrita, Sara. - Tudo te irrita - retrucou farta de lutar por aquele casamento. - Queria nunca ter me apaixonado por um egocên...