Era você

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Despertando de um sonho bom, Sara sentia o corpo envolvido por algo quente, confortável e que exalava um agradável e excitante cheiro amadeirado.

Sorrindo de forma preguiçosa, deslizou a mão pela cálida superfície, sentindo textura e a penugem macia na ponta de seus dedos. Tudo estava maravilhosamente perfeito, até sentir uma mão grande apertar uma nádega sua e ouvir um gemido grave. Imediatamente arregalou os olhos e se viu esparramada no peitoral de Rodrigo.

— Ai, minha nossa...! — soltou baixinho, sem mover um só músculo tamanho o choque.

Lembrava-se muito bem de ter se deitado chorando, magoada e completamente sozinha. Como diabos aquele homem acabou em sua cama? Tivera outro lapso de memória? Perguntou-se ao não recordar como acabaram naquela posição.

Desnorteada, e ainda sob o efeito do sono recém interrompido, analisou o próprio corpo. Expirou aliviada ao confirmar que continuava vestida, embora a curta camisola de seda vermelha estivesse embolada em sua cintura, a calcinha em contado com o quadril de Rodrigo.

Rodrigo, por sua vez, estava sem camisa, mas, pelo contato de sua coxa contra algum tecido, usava algo da cintura para baixo. Supôs ser um short, pois o pé dela não sentia nenhum tecido cobrindo a perna dele. Também podia ser uma cueca boxer ou samba-canção, e só de imaginar que pudesse ser o caso... Que os céus a ajudasse!

Tentou afastar-se, mas estavam entrelaçados. Uma de suas pernas se encontrava entre as dele, sua cintura rodeada por um braço forte, cuja mão apalpava sua bunda de forma despudorada demais para alguém que dormia.

— Rodrigo! — chamou com a voz fraca, quase um murmúrio.

Em vez de acordar e se afastar, ele a atraiu mais contra si, os lábios pousando em seu pescoço, distribuindo beijos lascivos, as mãos experientes a acariciando.

Sara perdera o foco da decisão de afastar-se quando Rodrigo ergueu o rosto, só o suficiente para fitar a esposa com um sorriso de canto sexy que deixava algo muito claro.

— Você estava acordado o tempo todo — acusou se sentando.

Em vez de negar, confirmar ou se explicar, Rodrigo sentou e acariciou a lateral do rosto de Sara com o polegar. O brilho faminto nos olhos escuros a deixou dividida entre sair daquela cama ou deixar que o marido terminasse o que começou. A segunda opção era muito tentadora, mas decidiu por uma terceira.

— Invadir o quarto de alguém para tirar proveito é horrível — reclamou, afastando a mão de seu rosto.

— Não invadi o nosso quarto e você é minha esposa.

Os olhos dele se fixaram nos lábios entreabertos dela, que pareciam convida-lo a prova-los. No entanto, as palavras que saíram por eles estavam longe de ser um convite.

— Isso explica tudo, não é? — ela disse caustica, revirando os olhos verdes com desgosto. — Seu quarto, sua mulher, seus direitos de marido.

O aparente desprezo na voz da esposa, fez Rodrigo recuar e contar como acabou no quarto e na cama dela.

— Ouvi seu grito durante a noite, quando cheguei aqui você me pediu para ficar — explicou, resumindo a noite anterior, e torcendo que fosse o suficiente para abrandar o desdém no olhar da esposa.

— Ah...! — Sara assentiu, alguns flashs da noite anterior vindo a sua mente. — Tive um pesadelo.

— Que tipo de pesadelo?

Contou tudo o que se recordava, cada mínimo detalhe, e se impressionou por Rodrigo ouvi-la com atenção. Podia ser medo que ela sumisse para contar o sonho à outra pessoa, como da primeira vez que teve um pesadelo estranho. Mas, de qualquer forma, era gentil da parte dele prestar atenção no que ela tinha a dizer.

— Então o Ro... — Calou-se e olhou receosa para ele, que devolveu o olhar com um incentivo mudo para que continuasse. — Você apareceu e pedi para ficar comigo — mentiu.

Havia de fato pedido para ficar com ela, porém, não foi para o marido. O pedido foi direcionado para a visão que teve de Robson, o rapaz que namorou durante a maior parte da adolescência, com quem - até onde lembrava - sonhou casar e ter vários filhos.

Para seu alívio, Rodrigo não percebeu que esteve prestes a falar o nome de outro homem. Tinha muita sorte de "Ro" ser um diminutivo tanto de Rodrigo quanto de Robson.

— Não foi um pesadelo — ele comentou sério, atraindo a atenção e interesse dela. — Algumas coisas que citou são lembranças do colegial.

— Verdade? — Sorriu, empolgada por reaver algumas de suas lembranças perdidas. Logo o sorriso apagou-se e o fitou pensativa. — E quem era a coisa cinza?

Sem responder, Rodrigo se levantou apressado da cama.

Após um momento admirando o corpo do marido de cima a baixo, confirmando que ele usava uma cueca boxer azul marinho, Sara se deteve nos lábios cerrados e na expressão mais fechada que o normal. Algo o incomodava, e muito. De repente, uma luz de entendimento se acendeu em sua mente.

— Era você — afirmou sem dúvidas quanto a suposição. — Mas não faz sentido, você me rejeitava no sonho.

O encarou na esperança de que fosse dizer algo, esclarecer as novas lembranças mostrando que ele não a amava, mas Rodrigo lhe deu as costas e caminhou em direção à porta. Rápida, se levantou da cama e o agarrou pelo braço.

— Rodrigo, preciso que me ajude a entender minhas lembranças. É difícil entender isso?

Rodrigo queria ajudar Sara a lembrar do passado, porém, falar sobre o porquê do seu comportamento no colegial, o motivo para ter feito pouco caso do amor dela, só minaria as chances de reaver a confiança da esposa. E havia uma grande chance de voltar a ser acusado de ter uma amante.

— Temos um almoço na casa do Júlio é melhor se trocar.

Sem mais palavras, Rodrigo puxou o braço e saiu do quarto, deixando-a sozinha e confusa.

Com a sensação de ter sido rejeitada, de novo, e sofrendo por aquelas lembranças só aumentarem sua desconfiança em relação ao marido, Sara não o seguiu.

Queria lembrar tudo logo de uma vez, tirar o peso que carregava, afastar o sentimento de vazio e solidão que a dominava a cada dia no escuro. Sua mente se transformara em páginas em branco, que ansiava preencher com a história dos últimos dez anos, mas sem saber se o melhor era reescrevê-la ou deixá-la apagada.

Páginas em Branco ~ DegustaçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora