Capítulo 12

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Quando acordei na manhã seguinte a sensação era de que um caminhão havia passado por cima de mim.

Mesmo com Dinis ao meu lado a tarde e a noite toda, a sensação amarga entalada na garganta não tinha diminuído. Ele até conseguiu me distrair; com sexo, com comida e com histórias turísticas, mas aquela sensação permanecia ali, ficava um tempo adormecida e então voltava a vida.

Dinis não estar no quarto quando acordei foi um ponto positivo para a minha autodepreciação. Enquanto a água do chuveiro escorria pelo meu corpo eu só conseguia pensar na merda que minha vida se tornou.

Em poucos meses eu irei fazer quarenta anos e parece que a cada dia que passa minha vida se torna um bolo de merda maior e maior.

É uma conquista seguida de uma catástrofe.

Me formei nas faculdades e veio a mudança radical para Londres após a briga com nossos pais — que eu fiquei a favor de Jade, já que meus pais queriam o aborto do Lívio e na época eu achava algo incabível, para anos depois eu mesma fazer um. Hipocrisia, me julguem.

Mil relacionamentos falidos, o homem perfeito, igual a um psicopata nojento — aqui entra a parte de ser amante, uma iludida, e claro, o aborto.

Meses e meses de remédios, surtos, gatilhos e noites em claro, e então a Mari e a ALM — que em breve nem vai se chamar mais assim.

Então tem a Grécia — vou colocar Orfeu como o seu país, porque sim —, a oportunidade de crescimento, mas esse contrato está incluindo tanta coisa na equação que me sinto sufocada.

Agora até estou pensando melhor sobre a exposição da minha imagem, não sinto mais aquela paralisia nos batimentos cardíacos ao pensar em Mike, já que ele não está mais entre nós, mas nisso tudo tem Orfeu e agora Dinis.

Não sei se quero viver mais em Sorocaba, também não quero assumir um relacionamento sério com Megalos. Não sei se estou preparada para virar uma personalidade pública. Não sei, eu simplesmente não sei.

Demorei no chuveiro mais do que o necessário e recomendado, os minutos intermináveis foram como horas em que me torturei a sós, mas foram bem vindos para o meu corpo, que aproveitou a água quente para relaxar o máximo possível a musculatura, em contrapartida enrugando a pele dos meus dedos pelo tempo excessivo.

Fui para o quarto com uma toalha enrolada na cabeça e outra no corpo, respirando fundo e agradecendo a mudança de temperatura do ambiente, já que ali estava com o ar condicionado ligado — Rio de Janeiro é muito abafado.

— Bom dia princesa — Dinis já estava de volta, mas não tinha com ele a mesma postura relaxada de quem havia transado duas vezes seguidas.

— Bom dia, aconteceu alguma coisa? — perguntei lembrando das palavras de Orfeu sobre um possível ataque.

— Fui conversar com o chefe — ele fez uma careta e se aproximou juntando nossos corpos, não se importando que a toalha estava úmida. — Vou ter que viajar, o helicóptero já está me esperando — o bico nos lábios me deu vontade de mordê-los, mas apenas peguei a carne entre os dentes e dei um leve chupão fazendo-o gemer.

— E vai assim do nada? Achei que voltaria para Sorocaba comigo — passei minhas mãos ao redor do seu pescoço e apreciei as tatuagens coloridas que despontavam para fora da camiseta.

E lá vai meu cérebro novamente fazer o comparativo entre os gregos.

Dinis remete a vida, seus olhos, sua boca, até mesmo suas tatuagens coloridas que (agora eu sei) cobrem o corpo todo. Enquanto Orfeu é totalmente o oposto, as trevas, a escuridão, seus traços finos, os riscos escuros tatuados e manchados na pele, risco sobre risco, como se não fizesse aquilo para algum propósito além da dor, da tortura.

SHARBERTY - A Liberdade InexploradaOnde histórias criam vida. Descubra agora