Perda

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Forço meu olhos a abrirem, mas a claridade é muito forte.

- Ela irá ficar bem ? Ouço a voz de Gustavo ao fundo.

- Sim, mas não sei como irá ficar quanto a sua vida materna futura, entenda que agora a chance de vocês terem um filho será bem mais complicado, as chances de que ela consiga gestar um novo bebê diminuíram bastante.

- Gustavo ? Tento me levantar.

- Clara, você não pode fazer esforço. Ele vem até mim, me aconchega novamente na maca gelada, agora percebo que estou em um hospital.

- Clara, que bom que acordou, você deve ficar em repouso agora. Doutor Rômulo me fala.

- O que aconteceu ? Por que estou aqui ? E o nosso bebê ?

Estou tão confusa, não consigo me acalmar.

- Clara, tente se acalmar por favor. Meu obstetra me pede, mas a única coisa que quero saber é sobre o meu bebê.

- Doutor, eu poderia ficar a sós com ela, eu irei explicar tudo. Gustavo pede.

- Tudo bem, mas por favor, tente a manter calma, ela não pode sofrer fortes emoções.

O doutor sai e Gustavo volta sua atenção pra mim, ele parece estar nervoso, inquieto, com medo, isso não me soa nada bem, Gustavo com medo é inacreditável.

- Clara, estou tão feliz que você está bem, como eu tive medo de perder você.

- Gustavo, o nosso bebê, ele está bem? Por favor me diga que sim.

- Eu tentei de tudo, eu trouxe você na mesma hora.

Mas do que ele está faltando, parece se sentir culpado, está exausto.

- Gustavo, o que houve? Por favor me fale.

Ele parece pensar no que dizer, ou em como dizer, começo a sentir medo das respostas.

- Clara.....você sofreu um aborto, eu tentei te trazer o mais rápido que pude, o doutor tentou de tudo, nós tentamos de tudo Clara, mas o nosso bebê não resistiu, nós perdemos nosso bebê Clara.

Vejo Gustavo triste, e não consigo ter reação diferente, não consigo acreditar no que estou ouvindo, meu bebê, nosso bebê, eu perdi nosso bebê, meu peito dói, sinto uma dor sem escalas, penso que vou morrer, mas é uma insesante falta de ar que me toma, não consigo respirar, não consigo me mover, EU PERDI MEU BEBÊ, Socorro, socorro, não consigo respirar.

- Clara ?

Começo a passar mal, não consigo respirar, seguro forte a mão de Gustavo como um pedido de socorro.

- Doutor. Ouço ele gritar. - Ela está passando mal.

O doutor entra, Gustavo se afasta e novamente eu acabo desmaiando.

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- Mamãe, mamãe, vem brincar comigo e a maninha?

- Já vou meu amor.

Estou em um jardim florido, parece ser primavera, o cheiro das rosas é maravilhoso, um menino sorridente vem até mim correndo, ele me chama de mamãe, no fundo vejo Sofia correndo atrás de uma borboleta, Sofia minha menininha, atrás de mim me agarrando em um abraço carinhoso está Gustavo, consigo sentir a paz desse momento, minha família.

Me levanto para brincar com meu filho, Isaac, o nome me aparece na boca como se fosse mais que familiar, Sofia está sorridente como no dia no Central Park.

- Vem também papai. Isaac chama Gustavo.

Corremos atrás do nosso menino, que dia feliz, me sinto extasiada, Isaac corre em direção a uma parte afastada do jardim, me perco olhando Sofia correr atrás da borboleta quando escuto meu menino gritar.

Procuro o mais rápido que posso, Gustavo me ajuda.

Encontro Isaac no chão, com as mãos ensanguentadas.

- Mamãe, me ajuda, eu me cotei, mamãe não me deixa.

Tento encontrar o corte, olho para suas mãos e não vejo nada, olho para frente e não vejo mais ele, minhas mãos agora estão cheias de sangue, muito sangue, entro em desespero procurando por ele.

- ISAAAAACCCC. Grito.

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- Clara? Acorda meu amor, eu estou aqui.

Ouço a voz de Gustavo, acordo assustada, era um pesadelo, um pesadelo cruel, agora me dou conta da realidade miserável em que me encontro, eu perdi nosso bebê.

- Gustavo. Choro. - Nosso bebê, eu perdi nosso bebê.

- Meu amor, eu estou aqui, nós estamos juntos, nós vamos passar por isso.

- Foi culpa minha, eu devia ter me cuidado melhor, eu devia ter largado tudo, focado só no nosso bebê.

- Não diga isso, ninguém tem culpa, nós excluímos essa possibilidade mas sabíamos que isso poderia acontecer, temos que ser fortes, nós podemos ter nossa família depois, podemos tentar depois. Me abraça, desabo em lágrimas. - Clara, eu te amo, estou aqui com vocês, todos estão aqui com você, você tem que ser forte agora pra se recuperar, tem que ser forte por nós.

- Não sei se consigo.

- Claro que você consegue, você é a pessoa mais forte que eu conheço, minha menina marrenta, você consegue Clara, eu estou aqui com você. Gustavo me abraça forte, consigo sentir um amor incrível no seu abraço, é reconfortante por um momento, mas a dor que me toma com minha perda é inevitável.

Acabo adormecendo por um dia inteiro, meu corpo está exausto, estou tomando medicações para me recuperar, mamãe e papai não saíram do hospital em nenhum instante, a família de Gustavo também veio em solidariedade a nossa perda, estou destruída, por mais que não tenha sido uma gravidez planejada e que a forma que eu tenha descoberto não tenha sido das melhores eu perdi o meu bebê, aquele quem eu já amava incondicionalmente, aquele que eu tanto esperava, o filho com o homem que amo, tento pensar positivo, Gustavo pediu que minha terapeuta viesse me visitar, e por mais que eu entenda que isso é mais fácil de acontecer em 96% dos casos, eu nunca esperava que isso acontecesse comigo.

Os dias transcorrem em um entra e sai do meu quarto, estou quase pronta para receber alta, Gustavo ficou comigo todos os dias, não saiu um segundo do meu lado, hoje a tarde poderei receber algumas visitas.

- Gustavo, você precisa dormir um pouco, e quando digo dormir eu falo na nossa cama, não nessa poltrona desconfortável.

- Eu não vou deixar você, e a poltrona nem é tão ruim assim. Diz com ironia.

- Por que você é tão teimoso ?

- Aprendi com você.

Somos interrompidos pela enfermeira que bate na porta informando que tenho visita, autorizo a entrada e me deparo com um Fernando de sorriso solidário entrando em minha direção.

- Clara, vim ver você.

Ele está com um buquê de rosas na mão, sorri para mim, parece preocupado, encaro Gustavo tentando ler sua reação, ciúmes, sinto o cheiro de longe.

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