— Roma? — Caleb colocou meio pomo de adão na aresta da porta, e sorriu ao meu encontro. Dava para ver que meu irmão encarava abruptamente os instintos aos quais chamo de tremedeira na ponta dos dedos. — Nervosa?
O olhei de maneira cínica, ou o que chamamos de cara de bunda. Não era para menos, a resposta seria óbvia demais, principalmente pela careta que dispôs. Voltei a encarar a Roma do universo espelhado. Ela não estava nada confortável. Na verdade, via-se fracassada.
"Esse primeiro dia será um desastre" logo indaguei em silêncio.
Que merda estou pensando, é meu irmão, não posso decepcioná-lo.
— Seu primeiro dia também foi assim? — A pergunta o fez adentrar no cômodo. A presença dele era reconfortante, mas a altura dominava o recinto como um animal na savana.
— Não, eu matei um Slaaf e fui consagrado o Símbolo do Rio de Janeiro. — O gabar dele nos lábios grossos era tão soberbo. Meu corpo tremulava frente ao espelho. Era óbvio, aquele em definitivo estava longe de ser um dia comum. Mas por que ligar tanto para aparência? Talvez um instinto, construído em mim através dos venenos da sociedade para agradá-la. Aquilo que homens intelectuais chamam de Das-Man. Que porra de merda estou dizendo? É nervosismo, só pode. A mão tremia até para tocar no rosto ressecado. No meu reflexo não conseguia ver uma mulher de força, só uma amedrontada. — Depois fui para Lapa trepar com uma travesti.
— Isso foi motivador, Caleb. — Soquei forte no pomo. Parecia que havia batido numa parede de carne.
Retornei a encarar-me. As risadas tiraram pouco do anseio, ainda sim não o suficiente. "Merda, quantas vezes papai disse para fazer terapia..." Ouvi-lo me teria poupado de tantas enrascadas. Mas imaginava vê-los como Protetores. Na trilha de um caminho que fora dele. Trazia um sorriso no rosto indescritível. Era esquisito estar nervosa e animada.
— Se ele te visse agora, ia chorar. — Caleb chorava ao falar a frase. Ele havia copiado todos os trejeitos do papai.
— Não é legal me deixar emotiva agora, Caleb. — Quando encarei a Roma do universo espelhado uma última vez. Pude notar o ânimo nos lábios cerrados, que erguiam singelos, era verdadeiro. Falar de papai sempre me deixava bem.
Despojados de roupas leves, confortáveis o suficiente para qualquer confronto iminente. Sempre confiei que a cor turquesa combinava com meu estilo — Enquanto para Caleb, uma única calça de moletom bastava. Ele adorava esbanjar tatuagens em seu corpo cultivado pelo talento de briga. Acabamos por nos encontrar com os demais colegas no salão de nossa casa. A antiga casa do papai.
Era incrível ver a força da liderança de Caleb através de suas costas. Alguns dos magos que estavam ali trabalharam com papai antes mesmo do seu fim. Foram pupilos, que tinham pouco mais de três anos de diferença para meu irmão. Mesmo assim, o líder era o mais novo.
Ares, o leão de Deus.
Heliel, o justo.
Isadora, a domadora.
Henrique, o filho de Zeus.
Ruan, o inquebrável.
E o maior. Digo. O homem que sustenta a segurança do Rio de Janeiro através das próprias mãos. Caleb Grozny, o símbolo. Mesmo em poucos anos de convivência, após o legado de nosso pai, ainda era incrível visualizar aquilo. Os magos mais poderosos do Rio de Janeiro na minha frente. E agora, faria parte deles. Como uma Protetora. A equipe me acolheu entre abraços, apertos e saudações.
— Bem-vinda! Nova integrante dos protetores! — Ares foi o último a me dar o toque de pele. Assim como a magia que o compunha, ele era quente. Aconchegante por trás da estética esguia. Ficar tanto tempo segura em seus braços me deixava vermelha. Soltou-me.
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Deuses de Sangue [VENCEDOR WATTYS 2022]
FantasyCampeão do The Wattys - Carta Coringa e Gancho mais cativante Roma testemunhou o brutal assassinato do irmão, o mago mais poderoso do Rio de Janeiro. Sem o paradeiro do real assassino, e apelo popular. Ela foi condenada ao crime cometido contra o pr...