Capítulo 21

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Slaafs comiam os inocentes. Os prédios desabaram e os escombros afundavam a rua. Só que num instante mínimo, tudo ficou mudo perante o meu grito. Mikael. Pouco tomei importância da periculosidade do criador de Slaafs a nossa frente. Só Ivan me chamou a atenção. Ele sabia disso. Nossos olhos se algemaram.

— Aaaaaaaaah! — Urrei. Podia notar o sangue fervendo por trás dos olhos. Os globos tremiam por conta da adrenalina.

Mikael afastou-se. Por um momento tornou-se meu aliado. Não dava para medir nossas vontades sobre a cabeça de Ivan — provavelmente ganharia dele — mas matá-lo seria um alívio.

Transmuto uma flecha na extensão do antebraço. A coloração da mana azul misturou-se ao vermelho escuro. A magia estava mais pesada. Poderosa. Violenta. Eu saltei para trás e disparei nele.

— Genbu. — Ivan sussurrou.

Mikael ficou espantado. A flecha bateu num casco de tartaruga que se materializou na lateral dele. A magia de Mikael, mesmo não sendo utilizada pelo terrorista, protegeu o favelado. "Está de sacanagem." Queria mais poder.

— Por que criar Slaafs? — Ivan me ignorou. Ele deixou toda fúria, ganância e raiva que tinha em meu peito fora dos próprios assuntos.

— Desde que a magia foi posta a público toda culpa das atrocidades humanas recaem em cima dos magos. — Mikael abriu os braços. — Desastres, terrorismo, criminalidade. Ou são os magos a causá-la, ou morrer por elas.

— Então resolveu destruir o Rio de Janeiro. — Cogitou.

— Não! — Mikael riu da seriedade de Ivan. — Eu amo essa cidade. Isso aqui é um teste. Se a magia causa uma desigualdade tão severa a ponto de separar a sociedade entre magos e não-magos. Vamos dar acessibilidade a todos tornarem-se magos!

Os olhos de Ivan semicerram. Não havia gostado da entonação. Pude ver a mão dele fechar devagar, enquanto as veias sobressaltam a pele. — Mesmo que durante o processo acabe criando uma chacina.

— Um pequeno preço a se pagar.

— Por que não são pessoas da tua raça que pagam por ele. — Ivan saia do prumo.

— Logo mais não pagarão. Você está a anos lutando contra isso e jovens negros continuam morrendo. — Mikael apontou o dedo. — Não passa de um falso protetor.

O céu ficou claro. Como se o sol caísse sob nossas cabeças. O calor estava intragável. Um clarão forçou-me a fechar os olhos. Os protegi com o antebraço, sem muito sucesso. A luminosidade sumiu em questão de segundos. Ao abrir os olhos vi Ares com as roupas rasgadas. Ele pousou dentre os dois vilões.

— Ora. Me parece uma oportunidade de ouro. — Olhou para Mikael. — Interessante tua armadilha. Não sei a qual profundidade me fez mergulhar, mas há tempos não usava o fogo dentro do mar. Foi um bom treino.

Os corpos de nós quatro ficaram estáticos. Esperávamos a ameaça de movimento um dos outros. Qualquer passo em falso era letal, e não podíamos conceder aberturas. Ivan era perigoso, eu sabia. Também havia notado que Mikael era letal.

Um barulho soou à minha direita. O andar inteiro de um prédio foi arremessado para cima da gente. Ação feita por um Slaaf. Consegui ver o sorriso de Mikael, que provavelmente deve ter planejado isso.

Todos tiveram de fugir à sua maneira. Eu saltei para trás, e usei as asas de mana — uma estética que aparecia na minha família sempre que usávamos magia — para aplainar para fora do raio de queda dos escombros. Perdi todos de vista.

Ares.

Ivan.

Mikael.

Só havia fumaça embaçando o horizonte.

Deuses de Sangue [VENCEDOR WATTYS 2022]Onde histórias criam vida. Descubra agora