Ponto B:
Me recordei da época que servi como cabo do exército. Tínhamos uma aula de história que relatava sobre milícias históricas. O modo que se portavam e táticas de combate. Na verdade, o professor gostava de nos mostrar algo em específico todo fim de aula. Torturas.
Ele nos mostrava torturas de diferentes povos e as detalhava em sala de aula.
Eu berrei.
— Calma, Gael. O mestre logo dará a ordem de recuo, só precisamos matar mais alguns políticos. — O de quimonos orientais sorria para mim. Debochado.
— Por que só não matamos ele? — O rapaz dos tentáculos não gostava da situação.
— Viking... — meu rosto pingava suor, enquanto eu ria pelo delírio.
— O que disse?
— Essa merda que você fez em mim... — Estava perdendo a consciência. — É uma tortura viking...
Com os tentáculos ele segurava minhas costelas. Minhas costas rasgadas eram impedidas de se curar pelos ossos estirados. Cada tentáculo puxava um osso. "A águia de sangue". Ele jogava sal grosso nos músculos abertos e órgãos internos — conseguia sentir as pedras no meu pulmão. Estava delirando pela dor. A ardência. Não podia pedir para parar. Que torturador aceitaria as condições?
— O-o que vocês são? — tinha de tirar informações. Ignorar meu corpo sendo queimado pelo sal
— Somos humanos que dividem o corpo com um Slaaf. — Me contava o de quimono. — Assim como você. A diferença é que nós controlamos os nossos demônios. Já você. É uma falha pura.
— Isso não é uma benção para haver vangloria. Estão aqui a mando de quem? — Eu tentei alertá-los, mas era inútil. — Vocês não entendem!? Eles não estão dando poder a vocês! Isso é uma chacina!
— A chacina é o que sofremos quando não tínhamos isso! — Ele retomou a compostura. Falava comigo raivoso. Respirou fundo. — Você não entenderia mesmo. Terminando essa missão conseguiremos a liberdade.
Quantas vezes já estive nessa situação? Eles achavam que os líderes iam de fato liberá-los . Dessa prisão. Pretos. Outra vez me deparei com negros numa situação de inimizade. Na última vez matei um inocente. E agora?
E agora, Gael?
São iguais a mim, e diferentes. Sinto compreendê-los, e ao mesmo tempo não. Mais sal era jogado em meus órgãos. A regeneração estava exaustiva. Se não fizesse algo morreria pela tortura.
— Quem é o líder de vocês?
— Opa! — uma voz alegre e animada no fundo do corredor nos chamou o foco. — Fala com ele!
De trás das sombras saía algo de molde humano. Contudo, não tinha rosto ou pele, apenas um sorriso no meio da matéria escura. Um tom tão negativo do preto que parecia não existir.
— Quem é você? — olhá-lo me deixava incomodado.
— Oblívio. Muito prazer! — me reverenciou. — É uma pena que outros Slaafs, como você, não queiram unir-se à nossa causa.
— Causa!? Você está usando eles para causar uma guerra!
Oblívio moveu o dedo indicador. Negou a agressão.
— Para criar um novo Rio de Janeiro. Livre de não-magos. — Bufou, desapontado. — Pensei que conseguiria convencê-lo. Você e o Sargento Ricardo deviam compreendê-los mais do que ninguém! Ficar com os semelhantes.
"Você não consegue..." Algo soou na minha cabeça. — O que? — sussurrei. "Sempre que te dou a oportunidade de tomar a violência nas mãos, é isso que acontece. Só vejo um garoto mimado que prefere morrer a machucar alguém." — Quem está falando isso!? — A cabeça doía.
Minhas costelas forçaram a cura. Os tentáculos do rapaz não eram mais o suficiente para me segurar. Não sentia o corpo direito. Era como se algo tomasse controle. Forçava os braços a ficarem unidos ao rosto. A face ardia.
— Para! — gritei. " Eu sou você." — Me devolve meu corpo!
No ombro do braço direito surgiu um olho. Semicerrado. Cobria todo o deltóide. "Não me recuse." Algo tomava controle de mim. Da personalidade. Desejos. Ações. Lá não estava mais eu. Só conseguia enxergar tudo do subconsciente.
O corpo estava restaurado. Na verdade, parecia melhor que antes. Como se partes feridas tivessem sido substituídas pela do Slaaf. Meu olhar pesava. Sentia-me morto. — Perdoem-me a intromissão. Gael não está em condições de tomar alguma ação agora. — Minha boca se movia? Partilhava o corpo com alguém que falava dentro de mim!
O garoto tentou agarrar-me. Só que teve o corpo esmagado na parede. O sangue dele espalhou-se pela asa que surgiu em minhas costas. Ele tentou regenerar-se, mas o membro continuou o picotando até torná-lo ossos e carne rasgada.
Duelei contra a força do Slaaf. Tentei segurar o braço para evitar outros desastres. Ele tornaria o ambiente numa carnificina.
— Pare! — retomei a consciência da boca.
— Você não entende, não é? Logo, entenderá. — Perdi outra vez o controle do corpo.
— Com quem falo nesse momento? — Oblívio deu uns passos para trás.
— Ose. — respondeu.
O rapaz de quimono tentou acertar de surpresa com uma joelhada na altura do rosto. Só que caiu ao chão sem causar dano. Parte da perna ficou na posse de Ose, enquanto ele via o rapaz agonizar em tortura pela perda do membro.
— Não somos iguais... — Ose esmagou o garoto com a asa, e o trucidou como fez com o anterior. — Vocês não são verdadeiros. Isso que vocês fazem. — Olhou para Oblívio. — Brincam de serem deus.
— Damos magia para eles.
— Não sabe o que é magia. Tão pouco ciência.
Oblívio ficou irritado. Deu para ver no trincar dos dentes. Ele chegou próximo a Ose e tentou tocá-lo. O Slaaf moveu a asa de morcego contra o cientista. O membro entrou na matéria escura do inimigo como se não houvesse nada dentro de Oblívio. Ose jogou-se para fora do prédio. Ainda viu matéria escura consumindo a asa esquerda. Ele a cortou, e a permitiu se regenerar sem riscos.
— Você pode engolir tudo que toca. — Ose olhava Oblívio, que ainda estava dentro do apartamento.
— Deixar a existência esvair. — respondeu.
— Ei! — Um grito do meio da rua. Olhei para ele. Era Bruno, que estava de pé em cima de um carro. — Você tem algo a ver com esses Slaafs!?
Não parecia querer algo comigo, mesmo que tivesse tomado tempo próprio para perceber minha presença.
— E se eu tiver? — Oblívio alfinetou.
— Então tenho a missão de te matar. — Bruno incendiou as mãos.
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Deuses de Sangue [VENCEDOR WATTYS 2022]
FantasiaCampeão do The Wattys - Carta Coringa e Gancho mais cativante Roma testemunhou o brutal assassinato do irmão, o mago mais poderoso do Rio de Janeiro. Sem o paradeiro do real assassino, e apelo popular. Ela foi condenada ao crime cometido contra o pr...