Capítulo 29

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Eu sempre fui apaixonado por mulheres fortes. Musculosas de fato. Mais altas que eu. Que fossem capazes de me matar num estrangulamento se bem quisessem. Só que por Deus, jamais imaginei que ficar ao lado de uma com tais características fosse tão complicado. As sombras eram minhas aliadas, contudo Isadora não era besta. Devia ter notado minhas olhadas.

Sangue. Pingava sangue da minha testa. Parte escorria pelo rosto. — Queria tomar um açaí antes de morrer. — Perdia os sentidos. Estava zonzo.

— Os Slaafs acabaram Rei! — Contente, Isadora me abraçou suja de sangue e com as roupas rasgadas.

— Por... — Essa garota é maluca? — Somos inimigos!

— Não podemos nos abraçar então? Ok.

— Esse é o momento em que nossa união termina e nós viramos um contra o outro até a morte?

— Já lhe disse! — Fez bico. — Ivan não deve gostar de vê-lo em combate. Não posso deixá-lo mais chateado do que ele já está.

Isadora parecia conhecê-lo bem. Pelo modo que falava, deviam ter partilhado de um passado. Que droga... Até o modo como ela conversava comigo era legal. Apaixonado e a beira da derrota. Românticos só se fodem.

Uma mana escurecida e violenta surtiu no meio dos corpos mortos. Não diretamente da pilhagem, mas de algum ponto do Aterro. Dava para sentir a presença vil de um mago.

— Irmão! — Aquela voz. — Como você fez falta!

Isadora olhou junto a mim para uma das ruas. Era ele, mal sabia o que sentir naquele momento. Estava a ponto de desabar e meu irmão apareceu. O desprezo que cultivo por ele me mantinha de pé.

— Lian. — Cuspi o nome. — Como saiu da cadeia?

— Bom comportamento.

Ele tinha esse jeito. Vestido com calça rosa tão colada que as partes íntimas estavam moldadas. Com purpurina por todo o torso e rosto, como se estivesse no carnaval. O pescoço era protegido por um cachecol rosa. Apesar de excêntrico. Meu "irmão" esboçava a violência nos músculos e no sorriso.

— Isadora. — Sussurrei. — Fuja.

Ela olhou para mim de canto. Ainda paralisada pelo pedido.

— Ele não é boa pessoa. — reforcei o pedido. — Eu vou ficar bem. Apenas fuja.

Ela sorriu para mim. Naquele aspecto heróico e único, como se fosse a mulher mais poderosa do mundo. Estufou o peito e desrespeitou o pedido. — Como se eu... — Não houve tempo para falas de efeito. Tão pouco altruísmo barato. Sentimos uma mana visceral surgir nas costas. Conseguir tempo hábil para olhar para trás. O mago segurava o porrete de um ogro, pelo vulto não pude analisar o rosto.

Quando Isadora piscou outra vez, estávamos debaixo de uma árvore dentro da trilha do Aterro. Ela suava. A respiração latejava como uma crise de asma. — Você está bem? — perguntei, mas nada de resposta. Dei dois tapas leves no rosto dela para acordá-la.

— O que foi isso!? — Me perguntou. Que bom que havia se recuperado.

— Um dos aliados do meu irmão. Eu disse para fugir!

— Obrigada. Só que não posso.

Cai para trás. Joguei o peso do corpo contra o tronco. Essa garota me deixava maluco. Precisava pensar. Fiquei travado enquanto olhava para ela. O rosto feminino saiu-me de cena, só via as burradas de Bruno. "Vocês são iguais." Imaginei enquanto fazia careta. — A gente tá fodido. — Não era brincadeira.

— Rei, a gente pode fazer isso, juntos. — Isadora tentou me motivar. Patético, não tinha chance daquilo dar certo.

Os gritos começaram. Urros e grunhidos vigorosos de Slaafs vivos e renovados. Ao fundo, as risadas de Lian. Havíamos criado para ele a jaula perfeita.

— O Lian é um domador. — Olhei no fundo dos olhos dela. — Ele, agora, deve estar se apoderando de todos os Slaafs que ficaram vivos.

Pude enxergar no fundo da íris minúscula o desespero de Isadora. A mesma falta de esperança que eu tive ao vê-lo chegar. Não era um vilão comum que ela poderia simplesmente vencer com pura motivação.

Os ombros dela baixaram. Estava cansada, mas não foi por conta disso. Havia aceitado que não iríamos ganhar dele. — Vá até Ivan. — Isadora me deu dois tapas no rosto. Um pedido singelo para que acordasse. Ela seguiu rumo de volta a Lian.

— O-o que você está fazendo!?

— Vou pará-lo. — Mesmo assim... mesmo sendo tão cabeça dura quanto Bruno... Eles tinham essa aura. Esse desejo de tomar atitude em momentos que eu queria recuar. No fundo, eu não só os admirava. Sentia inveja também.

De repente, fiquei zonzo. Sem saber o motivo "Merda, que sensação é essa? Agora que decidi seguí-la". Minha visão estava turva. Só queria dormir. — Desculpa, Rei. Não posso deixar você vir... — Desmaiei, logo após ouvir estas palavras.

Deuses de Sangue [VENCEDOR WATTYS 2022]Onde histórias criam vida. Descubra agora