Capítulo 16

77 18 1
                                    

Uma carreata se movia em direção ao aterro do Flamengo. Da janela pivotante daquele quarto de hotel, nos reunimos para organizarmos as últimas informações a respeito do comício do Governador. Gael aproveitava a cama king-size. Afundava no edredom grosso de pena de ganso. Eu e Luana olhávamos a multidão se formar. Apenas nos encaramos uma vez, o suficiente para transmitirmos um pensamento único.

"Isso não vai acabar bem."

— Nessa tensão toda. Por que o Governador não cancelou o comício? — Luana estava irritada. Uma careta feia diga-se de passagem.

— É porque ele não liga, branca. — Gael embargava no sufoco do edredom. — Ele está desesperado por uma reeleição. Atrelado ao desejo do povo desesperado por uma resposta de um líder. — Sentou na cama, compenetrado num olhar semicerrado descrente. — Só pode acontecer tragédia.

A porta abriu-se. — É isso que viemos impedir aqui. — Pavlov ultrapassou a porta. Cada mão afastou uma aresta. Atrás dele, como uma comitiva, surgiam sombras de mais pessoas envolvidas na missão de proteção aos políticos. Érica estava lá. Assim como Ricardo, inclusive, logo ao ver Gael bagunçando o quarto, o sargento logo ficou desapontado.

Mais três sombras surgiram atrás. O policial de braços robóticos que havia salvado Luana e Gael na Porta do Inferno. Luana suspirou arrítmica no mesmo momento que notou a presença dele. Eles abriram alas. Posicionaram os corpos nas laterais, e permitiram que visualizassem os dois últimos presentes.

Com os braços musculosos e todos os detalhes da pele colada às fibras. Vestido de camiseta vermelha lisa, e uma bermuda de moletom. A sobrancelha riscada esboçava um misto de sedução e violência. Não era difícil de reconhecer a cara triangular de Ares.

Atrás a imperatriz de cabelos ruivos e trançados. De estatura baixa, não passava de um metro e meio. O corpo dela era desenhado, como o das ginastas. Estava com um vestido preto e duas botas de ferro. Isadora.

Por último o prefeito da cidade de paletó e gravata. Esbanjava a pompa de um político que usufruía das mordomias de um Estado falido. O corpo gordo remetia ao que comia à custa do cargo.

— Ares! Isadora! — Corri para abraçá-los. Nos agarramos forte para matar a saudade.

— Pensávamos que ainda estava presa. — Isadora embargava os olhos. — Me desculpa por não te ter visitado!

— Depois que Caleb morreu o políticos nos impediram de te visitar após te colocar como cúmplice. — Ares desabafou. — Fico feliz de estar bem.

— Que momento família lindo! Mas não é hora. — O prefeito se intrometeu. — Vocês estão aqui para nos proteger hoje. — Ele passou o dedo gorduroso na barba. Enroscou as unhas quebradas e amarelas nos fios encravados e coçou a foliculite. — O babaca do governador está todo fodido com os fracassos de magos patéticos como vocês, agora nossa aposentadoria por mandato está em risco.

— Não se preocupe, prefeito. A polícia está bem ciente dos riscos. A vida de vocês é nossa prioridade. — Ares sabia malear um deputado. Devia imaginar que ser um Protetor significava defender os vermes da política.

— Nos dividiremos em grupos para patrulhar em diversos pontos. O maior perigo, como todos sabem. É Ivan. — Pavlov tomou o comando. — Luana, Érica. Ficaram no Grupo A. Vão patrulhar dentro da multidão e não tem a responsabilidade da evacuação via Santos Dumont.

As garotas assentiram. Pude ver um movimento vacilante em Luana. A responsabilidade era grande. Já estive na pele dela.

— Ricardo e Gael. Serão do ponto de ataque. A evacuação de vocês é pela Rua Ferreira Viana. A intenção é que os inocentes consigam fugir pelo metrô do Catete. Contudo, não é da responsabilidade de vocês protegê-los. — Ares comandou.

— Eu — Pavlov retomou. — Roma e Ares, somos responsáveis pela vida e segurança do prefeito e do governador.

— Caso algo ocorra no comício, a evacuação dos deputados será pela Avenida Infante Dom Henrique sentido Botafogo. Vou estar tomando conta desse perímetro. — Isadora deu o último parecer.

— A gente tem falado da possibilidade da aparição de Ivan, mas ele não tem muito a ganhar no assassinato de qualquer deputado. — Ares pontuou — O conheço o suficiente para saber que ele não seria idiota para tentar algo do tipo.

— Então eu to pagando vocês para quê!? — O prefeito alterou o tom. — Para coçar a porra da bunda?

Ares o encarou. Tinha uma tonalidade oculta de raiva em suas intenções, eu conseguia sentir. — Slaafs, senhor. — Ele respondeu. — A aparição de um Slaaf pode causar um impacto na mídia que vai influenciar negativamente nos resultados das eleições.

— Então trate de não fazer merda lá embaixo. — O prefeito deu meia-volta e retirou-se.

Observamos, em silêncio, o escroto sair do recinto.

— Ele é sempre assim? — Perguntei a Ares. Ele ainda observava a porta se fechar com o olho embargado no ódio.

— Desde a morte de Caleb esse corno está desesperado.

— Caleb tinha eles nas mãos, mas a insegurança com os Protetores causou esse desrespeito. — Isadora, incomodada, pontuou.

O Tenente acendeu um charuto. A rã dormia em seu ombro, pouco se importava com assuntos humanos. Pavlov me transmitia um arrepio na espinha assim que começava a fumar. Era esquisito.

A presença dele parecia crescer. — Vamos. — Ordenou. — O comício do prefeito vai começar. 

Deuses de Sangue [VENCEDOR WATTYS 2022]Onde histórias criam vida. Descubra agora