Capítulo 24

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Ponto A:

"Espada Cruz!" Reflexo? A única coisa que me salvava durante o horror eram os reflexos. Nunca me coloquei em situações de perigo, mas o pavor de ser devorada pela centopéia me dizia que não era hora de ficar travada. "Eu vou morrer! Eu vou morrer! Eu vou morrer!" Cortei algumas cabeças do artrópode enquanto desviava da pinça. Alguns gritos cessaram. Consegui me manter no canto da ante-sala.

— A-A-alguém... — Fiquei imóvel. Olhava a centopéia agonizar pelo machucado. — Alguém na escuta...?

Ninguém me respondia. De certo, todos estavam mortos. A missão de proteção aos políticos poderia ter sido bem sucedida nos próprios limites, mas nos tornamos estatística na proteção da corja de abutres.

— Luana? — Uma voz me respondeu.

— Pav- Pavlov! — Reconheci de imediato. — Pavlov! Nos ajude no setor A! Ficamos cer-

— Algum dia seu maior arrependimento não será por ter matado seus aliados. Mas por ter deixado todos eles morrerem...

Um soco no meu estômago.

— Preciso me desligar. Caso vá morrer agora, Adeus. — O sinal com o tenente cortou. Ele ficou incomunicável.

O monstro se regenerou As cabeças eram substituídas por outras. Talvez de vítimas que acabaram de ser consumidas. A criatura não iria ceder à derrota por um ataque fútil. Eu estava com tanto medo que queria morrer. Morrer para não aceitar o que? "Esse peso." olhei para os dedos. "A raiva que tenho deste poder."

Que hipocrisia. Me sentia aliviada por ser uma maga e ter como me defender. Em contrapartida não era capaz de aceitá-lo. Medo de mim? A centopéia me olhava outra vez. Com centenas de olhos e rostos assustados. As faces dos cariocas mastigados nas pinças do Slaaf não tinham medo de mim. Na verdade, pediam. Clemência. Morte. Queriam que as tirasse da agonia. Do corpo artrópode e esquisito. A vida eterna numa monstruosidade assassina.

Ela veio para cima. As pinças envolveram meus braços enquanto nós destruímos a parede da ante-sala. Íamos em queda para a rua. A centopéia não conseguia me quebrar. As pinças faziam força, mas meu corpo não estava destroçado.

As palmas. Minhas mãos. Estavam postas uma contra a outra. Onde os dedos indicadores e médios mantinham-se retos.

— Ativação de complexidade! Gelo do Nono Círculo! — Lento. Assim como a técnica da magia me deixa. Olhei a centopéia congelar lentamente. Pude ver num dos rostos aprisionados uma fina lágrima e um sorriso tímido. "Agradecimento." Talvez não pudesse controlar meu destino. Deixar de ser maga. Ou usar a magia a bel prazer, e salvar os outros.

Então que eu fosse capaz de acabar com as dores deles. De todos eles.

A centopéia ficou envolta por uma grossa camada de gelo, e pelo próprio peso começou a se despedaçar. Os pedaços batiam no chão e se espatifavam.

Fiquei em queda livre. O prédio era grande. Podia ler e apreciar o esplendor dos céus. "Eu estou viva!" Virei-me para baixo. O Ogro desembainhava a espada. Pretendia fazer um corte de baixo para cima e partir-me ao meio. "Arrombado..." Esperei o momento oportuno. A espada dele veio ao meu encontro. O desembainho rasgou o chão como folha. Eu parei a arma com as mãos. O choque fez o vento rasgar ao meio.

— Que dia lindo! — Ri para o ogro.

A criatura me encarou extasiado. Não era burro começou a notar algo de diferente no ar. Ele puxou a espada e saltou para trás. A harpia e o coelho não têm a mesma compreensão que o ogro. A ave sentiu tocar na asa, gotículas leves. Flocos de neve que molhavam. Não bastou segundos para os flocos se tornarem bolas de espinhos enormes. O gelo atravessava a carne dos Slaafs e trucidava seus corpos. As pétalas, ao tocar o solo, congelaram tudo.

O lugar ficou totalmente congelado, no calor de trinta graus. O ogro conseguiu fugir, evitando as pétalas. Uma em especial tocou o quimono esquerdo. A criatura não perdeu tempo, logo cortou o próprio braço, e deixou que o membro fosse destruído sem aniquilar o corpo.

— Você entendeu... — Caminhava em direção a ele. — É o gelo do inferno. Do círculo de Lúcifer. Se tocá-lo será destruído assim como seus amigos.

— Oh! — A criatura gemeu.

Ele ajeitou a espada. Queria me enfrentar. Não iria recuar agora que sabia como um dos ataques funcionava. Fiquei posicionada. O corpo pesava, e podia congelar outra vez. Não me importava. Estava pouco me fudendo. Queria viver isso.

"Por Deus, como é bom estar viva."

Ele retirou a espada. Fechou os olhos como se abençoasse. A ergueu ao topo da cabeça. Corremos em combate. O ogro desceu a espada. Consegui desviar dela e saltar até a máscara dele. Quando a toquei o corpo dele congelou no mesmo instante. A pressão do meu corpo foi tamanha que descolei o crânio do pescoço. Joguei a cabeça do Slaaf para longe, enquanto ele despedaçava.

Desativei a magia.

O corpo quase caiu em exaustão. Só que não podia me dar ao luxo. Érica estava sumida. Precisava encontrar o corpo dela. Caminhei lenta em direção ao prédio, na esperança de achá-la desmaiada em um dos andares. "Morta?" não permitia esse pensamento ser predominante.

Forcei-me a correr. Ainda estava acordada. Conseguia manter-me objetiva na busca pelo Sargento. Quando próxima do prédio, alívio e aflição envolveram meu tórax como algemas apertadas em pulsos machucados.

Alguém. Uma mulher. De cabelo rosa. Longo e brilhante. Apertava o pescoço de Érica com veemência, próximo a abertura. A prima não esboçava reação. Os poucos movimentos que enxergava nela eram rasos. Músculos debatiam por ar, enquanto os dedos falharam em tentar tirar a estranguladora do pescoço.

— Solta ela! — Berrei.

Ela vestia uma camisa branca rasgada, e um short jeans justo. Me olhou. Tinha uma encarada psicótica. Dava medo. — Péssima escolha de palavras. — Soltou Érica.

A tenente começou a cair de uma altura homicida. Eu estava longe. Não conseguiria ajudá-la pela exaustão e fadiga. Mesmo assim corri. Gritei. — Érica! — Ela parecia estar a quilômetros de distância. O meu corpo pesava.

"Fios de gelo Cruz" Invoquei raízes de gelo do solo. A magia envolveu Érica e evitou a queda traiçoeira. — Graças! — sussurrei a mim.

Ao abrir os olhos, a mulher de cabelos rosa caía. Ela apontou os joelhos ao peito de Érica. Amorteceu a queda. Afundou o corpo no pomo dela. Minha prima cuspiu uma quantidade considerável de sangue. O pior. Não esboçou reação.

— Olha! Acho que sua amiga morreu. — ria enquanto levantava.

— ÉRICA!

Deuses de Sangue [VENCEDOR WATTYS 2022]Onde histórias criam vida. Descubra agora