Capítulo 91

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Barão não tomou respiro. Era um homem imortal no conceito da guerra, talvez fosse o espelho mais próximo que eu conheça a respeito de Ares. Vê-lo, pelo pouco tempo que fosse, me fez recordar dos momentos que fui um Protetor. Roberto, meu "pai", era um muito ligado aos militares, já que nessa área, militarização, política e Protetorado unem-se mais que merda e milho.

Poucos foram capazes de ver esse rosto coberto por bandagens. Não é para menos, um militar que foi Comandante das salas de tortura na ditadura não podia ser condecorado. Contudo, também nunca se falou em deposição.

Ele dava medo. Pois a mana dele era demoníaca. Dava para enxergar uma pilhagem das almas que ceifou durante a vida. Direta ou indiretamente.

Num salto reto, veio para cima de mim. Eu me teletransportei para longe. No ar, voei para encontrar segurança. Olhei para o altar, onde residia o segundo olho. Barão o pegou. "Era o objetivo dele desde o início." Quem pegasse os dois olhos e colocasse iria ser o mago mais poderoso do mundo.

— Os músculos não envelhecem com o passar dos anos? Parece tão vigoroso quanto um adulto de trinta anos.

— Nunca fui de ter afeto por ninguém, Heliel, e você sabe disso. — Ergueu a mão, num chamado à proximidade. — Mas desde que começamos tudo! Quando eu te encontrei abandonado naquele hospital podre junto ao corpo da tua mãe! Lhe mostrei quem era sua família! Planejamos esse momento!

— Eu sei... — Pensei. — Mas você quer criar uma nova ordem nesse país. Eu... — Semicerrei os olhos na busca pelo passado. — Eu não vejo mais graça nele.

Barão saltou para meu encontro. A mana dele era tamanha, como um líquido preto que exacerbou a cada movimento. Os olhos logo focaram nele. Havia sentido, mas também sabia a resposta. Pelo peso das mortes que Barão carrega, Tronos o julgou culpado.

Estendi a palma. — Raio celestial. — Tudo que estava à frente da minha mão sumiu. Parte da montanha, vegetação, e até o Barão. Mas por que? Qual o motivo de ainda não me sentir seguro?

Algo muito próximo do meu rosto me espantou. Eram garras, como as de um demônio gatuno. A reação foi instantânea. Girei meu corpo no ar, para que não fosse atingido. Ainda sim, a unha me feriu na testa. Olhei para trás, e observei a criatura cair.

Sem as bandagens, o rosto dele fazia-se imersivo. Era um homem de rosto negro sem muitas rugas. Contudo, apenas metade do rosto dele continha pele. A outra era o crânio. Quem ficasse olhando demais pelo lado esquerdo podia sentir o terror tomar conta do corpo.

Ele pairou no ar, usava da mana para flutuar.

— O que te permite ficar no ar? — perguntei.

— Eu era o mago das sombras. Imaginei ser enquanto estivesse vivo, mas o grimório me rejeitou. Talvez ele tenha encontrado um usuário melhor. — No sobretudo dele, algumas mãos começaram a sair. Não pareciam vivas. Eram almas. — Desde então, você deve imaginar o que tive de fazer para ter um grimório novo.

— ....

— Ativação de Complexidade. Tortura Eterna. — A energia negra que ele reprimia se soltou. A mana se esbanjou por todo o redor dele como um gás venenoso. Algo naquilo me dizia que não era confiável tocá-la.

Ele sumiu no meio do gás. A quantidade de mana me fazia impossível de tomá-los os passos.

— Indução à dor! — Tomei um soco na lombar.

Berrei. A dor foi como ter o saco mastigado por um cachorro. Severa. Senti a vontade de me retrair e ficar protegido. Era medo? A força dele dava a sensação de morte. Comecei a cair em direção ao solo. Quebrei árvores até afundar na terra.

"Que sensação era essa!?" Olhei aos céus para observá-lo. Barão me admirava. Na verdade, se divertia com minha lamúria. Barão estava de camisa abotoada. Ele começou a desabotoar-lá naquele momento. Continuava me encarando.

— Quando perdi o grimório do mago das sombras. Minha ambição para continuar sendo um militar de elite me fez tomar ações cruéis. — Ele mostrou-me o tórax, repleto de costuras. Feitas, aparentemente, por conta própria. — O grimório da tortura foi banido dos livros de estudo. Mas em 1970 eu o encontrei.

— JULGUE-O, TRONO! — Pela queda e machucados, não consegui me concentrar em colocar o anel de trono no pescoço dele. Acabei pondo-o no braço.

O membro dele explodiu com o julgamento de trono. Do cotoco formado pelo cotovelo dava para vislumbrar o sangue voar pelos ares. Só que algo estava errado.

Barão sorriu.

Logo em seguida, eu senti o inferno. Na lombar, uma dor que beirava a insanidade me afligia. Como se alguém amassasse meus ossos. Era letárgica como se puxasse a pele da unha até o olho. — AAAAAAAAAAH! — gritei. — PARA! — me debati pelo chão. Agoniado pelo sofrimento. Me sujava pela terra, um anjo impuro.

— A magia da tortura me permite ser imune a dor. Em contrapartida, assim que induzo a dor em alguém, ele sofre o extremo da dor que meu corpo sofre.

"Que filho da puta..." meu corpo queria desmaiar por causa da dor. O sofrimento era incabível. Ainda sim, havia arrancado-lhe o braço. Se continuasse a perder sangue assim morreria em pouco tempo.

Algumas almas se desprenderam do sobretudo dele, foram atrás do antebraço desmembrado. Assim que encontraram, retornaram ao local de origem. Elas começaram a costurar o corpo dele. "Vai tomar no cu."

— É a única dor que sinto. As almas, quando costuram meu corpo, me fazem sentir uma dor eterna e constante no lugar. — Ele abriu os braços. — Imagina tentar dormir, viver, comer, com a tortura de uma ferida que lhe incomoda a todo momento. É preferível morrer. Essas almas me lembram que quando eu for morto, serei torturado para sempre.

— Quer compaixão caralho? — Ergui uma das mãos. — Portal Celestial.

Uma luz divina surgiu em cima de Barão. Ele olhou para cima, e viu a materialização de Tronos. Anéis celestes cheios de olhos e com diversas asas. Tronos focou a atenção nele, e um raio luminoso saiu do meio dele. A luz o cobriu. O contato da magia com a terra fez aquele mundo tremer. Como se tivesse presenciado um abalo sísmico.

Dessa vez pude notar a presença da mana dele. Ele estava ferido. A magia destruiu parte da roupagem. As queimaduras eram de alguém que usou muita energia para não morrer. Me teletransportei para as costas dele, e o segurei pelo ombro.

— Eu estou pouco me fodendo para a indução de dor. — mentira, babava sangue. — Ou para o teu sofrimento eterno por causa do seu fascismo imbecil! — o encarei. — Me dá a porra do olho do imperador! Ou eu vou te matar aqui mesmo, seu merda!

— Oh... — ele deslizou o queixo para o lado, e me olhou de canto. — Acha mesmo que pode me matar? Anjo. — A fumaça das sombras que surgiu quando ele ativou a complexidade saiu da boca dele. — Bafo podre.

Ele soltou na minha mão a fumaça. Meus dedos começaram a putrificar, e decompor. 

Deuses de Sangue [VENCEDOR WATTYS 2022]Onde histórias criam vida. Descubra agora