Capítulo 95

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Despertei. Barão havia parado na minha frente, esperava que eu despertasse da meditação para que me matasse. Nos encaramos. A imponência dele era vigorosa, daria medo a alguém que não fosse eu. Acredito ter visto o olhar dele tremular por um mero momento. Estava serena, até demais, e isso o travou.

— Tsc! Acredito que os parentescos são distintos. Só que você tem a cara do maldito Pavlov...

Sorri enquanto me levantava. Não fazia movimentos bruscos. No momento, não queria brigar. — Isso me soou um elogio. Ele foi um bom professor. — De pé, olhei para o lado. Vislumbrei a paisagem destruída do combate dele com Heliel. — Vocês queriam mesmo esses olhos...

— Um desejo por poder que você não entenderia, Roma. — me rebaixou. Ele segurava os globos na minha frente. Queria que eu tentasse pegar. — O poder para criar uma nação poderosa! Como planejamos desde o Integralismo até aqui.

— Que patético. — Caminhei até a beira da montanha. — Pelo visto, você não vai conquistar nada.

Barão ignorou minhas advertências. Para ele, soavam como insultos de baixo calão. Mesmo uma Grozny, eu não possuía o nível de clero dele. Homens assim travam guerra através da linhagem, e não das emoções. Contudo, o tolo acreditava que eu o desejava tirar do prumo. Pouco me importava.

— Lhe darei o devido fim. Assim que por estes olhos.

Ele arrancou um dos olhos com os dedos nus. Eu vi a cena, como Barão claramente desejava. Assim que colocou um dos olhos, o deixou fechado, enquanto o sangue escorria das pálpebras.

— Poder... — Insinuei. — É uma forma egocêntrica de falar sobre fragilidade. O homem que busca poder é porque não o possui. — semicerrei os olhos. — Então ele o busca, para que tal essência não seja tão minúscula quanto o próprio falo.

Puto. Irritado. Barão permaneceu quieto, enquanto arrancava o outro olho para colocar o do Imperador. De modo nojento o fez, para concluir o ritual de renascimento. Ele esperou. Ficou no aguardo de sentir o tal "poder" que tanto almejou. Só que algo estava estranho.

Segundos se passaram e nada do policial notar alguma diferença. Até que tentou olhar com tais olhos. O choque. Os globos estavam mortos. Não transmitiam visão. Barão havia se deixado cego. — Que merda é essa? — reclamou. A tremedeira na boca esboçava o trauma.

Virei de novo para a beira da montanha. Pois algo no céu clamava pela minha atenção. As nuvens avermelhadas se abriram para a passagem da luz celestial. Era como se a porta do céu católico tivesse sido aberta naquele instante. Da paisagem cristã, um anjo descia lentamente. Possuidor de oito asas. A pele clara irradiava no brilho da luz. Os cabelos brancos dançavam com o vento, como se fossem apalpados por cupidos. O rosto sereno e doce de um homem vestido apenas com uma túnica branca.

Heliel havia renascido.

Ao abrir os olhos, a resposta que Barão talvez não gostasse de ver. As íris estavam roxas, como as do Imperador. O Slaaf supremo havia escolhido o herdeiro de suas dádivas.

O anjo celestial da família Grozny.

— Não... — Barão negou, espantado. — Não pode ser... — Ele sentiu a mana que emergia do corpo de Heliel.

— O Imperador escolheu o dono. — debochei. — Acho que você tá fodido, e cego.

Uma criança saiu de trás das costas de Heliel. De cabelo black e olhos roxos, assim como os do meu irmão. Não aparentava ter mais de dez anos.

— Chame-os, e eles renasceram junto contigo. — Alertou a Heliel.

Meu irmão ergueu as mãos aos céus. — Invoco-lhes, destruidores da carne e ossos! Hereges dos próprios dogmas! Assassinos das emoções humanas! Deuses antigos! Reis... Slaafs... — Símbolos de invocação surgiram ao redor dos céus. Formavam um círculo maior, e deles desciam criaturas piores que o terror irracional.

Os círculos eram protegidos por uma placa de sangue, que banhava a criatura que os perfurava.

A primeira tinha chifres tão alargados que pareciam antenas de barata. Era óssea, cinzenta, e bípede. Carregava consigo uma foice e muitas feridas pelo corpo. — A rainha Slaaf, Memória.

O outro Slaaf, era branco, e com músculos bem traçados ao longo de todo corpo. Tinha chifres de cabra e não possuía olhos. Ele compensava no maldito sorriso largo cheio de dentes afiados e demoníacos. As garras eram esticadas e afiadas e os pulsos e tornozelos tinham acessórios de ouro reluzentes. — O rei Slaaf, Absurdo.

O próximo rasgou o véu de sangue no círculo com a espada. A arma afiada tinha um aspecto de tronco retorcido. O monstro vestia um sobretudo que impedia a visão até do próprio rosto. Tudo que saltava para fora eram os chifres, e alguns galhos que saltavam a roupa rasgada. — O rei Slaaf, Fuga.

Cercado por borboletas de mana, ele saiu do véu de sangue. Com chifres que pareciam galhos secos. A cabeça era o crânio de um boi. A mão esquerda levava um lampião, o qual as borboletas perseguiam. O corpo pingava sangue. — A rainha Slaaf, Perdida.

Assemelhava ao Heliel quando o assunto era asas. Ao invés de oito, tinha quatro. Ao invés de serem formadas por penas de anjo, eram finas como a de morcego. O Slaaf todo tinha o aspecto de uma criatura noturna. Cinza, com garras que rasgam até o aço. — O rei Slaaf, Dúvida.

O véu desta vez não foi rasgado. Ele foi explodido pela tamanha força usada pela criatura. Era uma baleia azul, mas os dentes pareciam chifres de rinoceronte. Ao invés de nadadeiras, tinha braços e pernas. Assim que renasceu, o Slaaf rugiu. — O rei Slaaf, Apatia.

Com elegância, o véu rasgado não a sujou como fez com os demais. A cabeça era composta por uma meia lua de aço. A criatura parecia ser um pouco mais envelhecida que os demais, e utilizava de uma bengala para tomar ações. — A rainha Slaaf, Engano.

De coloração vermelha. Esboçava ódio até no modo de respirar. Usava duas espadas. — O rei Vingança.

Três irmãos com cabeças deformadas de tubarão, sem olhos, saíram. — A triarquia. As irmãs Ansiedade.

Um cão que rasgou o véu se aconchegou a Heliel e ao garoto, mesmo que fosse maior que ambos. De coloração preta e oito olhos vermelhos, babava magma. — O rei Solidão.

O sobretudo pegava fogo, e a criatura tinha chifres que formavam um coração. Era enegrecida. — O rei Preconceito

Uma criatura quimera. Uma mistura de cavalo com tatu, lagarto e deformidades Slaaf. — O rei Imprudente.

Uma cobra branca gigante, com cabeça de dragão, se arrastou para fora do véu de sangue. — O rei Calúnia.

Outro, azulado. Que no fim dos braços tinha lâminas de foices mágicas. Com uma aura silenciosa e sombria. — A rainha Ódio.

Por último, aquele que lia um livro, estudioso e que pouco se importava com o festival. Na realidade, parecia já saber o que ocorreria até ali. Tinha quatro chifres distintos, e o rosto era sem face. — A rainha Desespero.

— Plateia... — Comecei a me alongar. — Vai ser legal surrar meu irmão com monstros assistindo. 

Deuses de Sangue [VENCEDOR WATTYS 2022]Onde histórias criam vida. Descubra agora