Capítulo 4

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Meu rosto doía. Tudo que conseguia sonhar após algumas horas de sono era num soco violento que tomei na ponta do queixo. "Eu apanhei?" pensava antes mesmo de abrir os olhos. Movia o pescoço ainda com as pálpebras deitadas. O escuro me preenchia a visão. A pele estava quente, e o barulho do sangue pingando dos órgãos podres dos policiais esquartejados já não me incomodavam.

"Onde estou?" O lugar era aconchegante demais para ser a prisão.

Abri os olhos. Pisquei repetidamente para me acostumar com a iluminação amarela da lâmpada antiga no teto de gesso. A sala — devia ser uma sala pela presença da porta ao fundo à minha direita — tinha um aspecto confortável e amadeirado ainda que antigo.

Tentei levantar-me da poltrona, mas a tontura abateu o movimento das pernas, e tremi na busca de forças.

— Opa! Opa! — Mãos brancas e gentis me seguraram. Pertencentes a dona da voz melódica. — Você ainda não comeu. As análises médicas indicaram fraqueza nos teus músculos. Tente descansar.

Olhei para a garota gentil, que parecia não ter menos que minha idade — mesmo que o rosto não passasse a feição dos vinte anos — vestida com uma farda policial preta. Os olhos dela eram tão azuis e intensos, daqueles que não podia se olhar por muito tempo, ou se perdia.

— O-obrigada. — Virei o rosto. Desisti de encará-la. — Onde estou?

— Na sala dos cães. — Imaginei ser uma piada, mas ela falava sério — Ou de modo mais técnico, é a sala do Tenente Pavlov.

Logo me recordei, como se tivesse tomado um susto do próprio subconsciente. Sem conseguir disfarçar a careta de espanto. Lembrei da conversa que tive com aquele homem de aparência estrangeira e cabelo lambido.

"Mas disse para os superiores que não me importaria se matasse Ivan no meio do caminho."

Ele me prometeu vingança. A oportunidade de destruir a vida do homem que matou Caleb. O sangue começou a subir de maneira inevitável. Fora das celas, com tanto tempo de Mana acumulada, não conseguia conter a quantidade de energia mágica que transbordava do corpo. Violenta e carmesim.

— Toma! — A moça gentil me tirou do transe de violência. Nas mãos, entregava um prato de cheiro familiar — Do lado de cá é angu — apontou para a divisória à esquerda — E aqui tem Mocotó.

O cabelo preto liso, que batia na lombar. O lábio fino, e a pele clara como o gesso. Não me parecia ser alguém que comia estes tipos de comida tão nordestina.

— Quem são vocês? — A colher estava mergulhada no mocotó, mas fiz questão de lambê-la antes de comer. "Há quanto tempo não comia algo tão gostoso? Era melhor que ratos gordos com certeza"

— Eu sou Luana — ela apontou para o rapaz distante, de cabelo cinzento e braços vulcânicos. Cheio de rachaduras, que deixavam escapar energia mágica roxa. Eram os membros superiores de um demônio. Usava calça de taiga e camiseta. — Ele é Gael. Na verdade, chegamos aqui algumas horas antes de você.

Então não tinham intimidade. Nem comigo, tão pouco com a instalação. Éramos novatos, mas eu tinha a sensação de rapto. Maldito Pavlov com o cruzado forte. O queixo doía para comer. Engoli o mocotó morno. Estava tão delicioso que prendia a atenção com mais facilidade do que compreender a situação.

— Qual a sua complexidade? — Luana continuou o assunto.

Deuses de Sangue [VENCEDOR WATTYS 2022]Onde histórias criam vida. Descubra agora