Capítulo 23

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A porra daquele dragão era veloz. Tinha de utilizar demasiado poder de fogo para acompanhá-lo. Estávamos numa corrida aérea. Podia ouvir, mesmo distante, as risadas felicitas de Mikael. Ele se divertia em caçar o carro do prefeito. — Pare! Mikael! — os berros de nada adiantaram. O dragão dele ia chegar próximo ao veículo e não havia blindagem no mundo que suportaria uma magia como aquela.

O fogo que saía de minhas mãos me jogava a frente como propulsores. Imaginei ser capaz de acompanhá-lo, mas foi uma ideia falha. Se o prefeito morresse, os Protetores teriam uma tragédia que eu não conseguiria suportar. Se fosse Caleb — Se fosse Caleb a situação não chegaria a isso. — O peso de substituí-lo trouxe a mim a dificuldade de aceitar as críticas. Balancei a cabeça, ou afundaria em meu próprio demônio.

— Vagabundo! — Berrei. Mikael voltou a atenção. Não deve ter gostado do insulto. — Engole! — Apontei as duas mãos para frente. — Bola de fogo!

Soltei duas bolas chamuscantes. O terrorista, sem saber como reagir, acabou por receber o ataque em cheio. A explosão criou uma cortina de fumaça. "Não enxergo o dragão. Ele deve ter retirado o bicho."

O peso de um caminhão prensou minhas costas. Mikael havia usado os joelhos para me acertar. Os pulmões ficaram vazios. Ele nos fazia ficar em queda livre para o asfalto. Usei das chamas para rodopiar e tirá-lo das costas. Mikael evitou a própria queda. Utilizou da fênix para capturá-lo antes que fosse tarde.

Pousei. — Desista. Não deixarei que mate o Prefeito. Já fez merda demais por hoje, não acha?

— Fala como se gostasse dele. — Rebateu debochado. — Não consegue nem mostrar carisma para salvar um cuzão como ele. Além do mais, sou um cidadão carioca, não aguento mais um político dessa laia sugando meus impostos.

— Que porra de argumento é esse? Vilania civil? — retruquei. — Está parecendo partidário do LMB!

— Não me xingue assim! filho da puta!

"Byakko"

Num salto frontal, Mikael chocou o pulso contra o meu. Pus mana demais para defender o ataque. Se não o fizesse, ele quebraria meus ossos com tamanha força. — Os defensores cardeais — o encarei — no Japão existe a crença de que cada ponto é protegido por um ser místico. Genbu, Seiryuu, Suzaku e... — Não me recordava do último.

— Byakko. — Mikael sorriu. Descolou nossos corpos e girou um chute na altura do meu tímpano. Usei das chamas para me proteger, mas ineficiente. Amassei um carro com a queda. — Você é inteligente, Ares.

Me levantei com dificuldade. Havia cortado a testa superficialmente, e o cotovelo ficou roxo em instantes. — Não estamos treinando, Ares. — Mikael caminhou em minha direção. Parecia frustrado. — Está evitando uma catástrofe, tentando me salvar?

Eu sorri. Em seguida comecei a rir. Limpei o sangue do rosto e endireitei a postura. Como eu era idiota. Burro. Patético. Havia me permitido ser machucado por besteira.

— Caleb... — pausei. A respiração pesava. — Caleb era contra a morte de magos. Ele sempre os prendia. Era a atitude de maior força dele. O que unificava todas as classes para seu próprio respeito. — maldição. Estava rindo alto demais. — Pensei... — ria mais. — Pensei que poderia ser como ele! Um símbolo! — O encarei. — Que fracasso... Eu amo matar meus adversários. Desculpa, Caleb.

Ele veio para cima outra vez. Com as mãos como se fosse patas de tigre. O encarei de frente. Segurei uma das mãos. Mikael me encarou, surpreso. Vislumbrou meu belo sorriso. Usou a outra palma para me acertar o ombro. O golpe deslocou o membro de imediato. Ainda sorria. O que deixava-o com medo é que continuava sorrindo.

— Sinta o que é o fogo do inferno. — Apertei os dedos dele — Queime, Ifrit!

De dentro do meu corpo para fora. Tudo começou a pegar fogo. As chamas se alastraram pelo quarteirão. Não me importei de ter residentes nos prédios. Construções e apartamentos derretiam pelo calor.

O chão abaixo de mim afundava. Ficava mole e pastoso, como se estivesse pisando numa água preta. O concreto dos condomínios faziam barulho ao racharem e baterem no solo, mas logo ficavam líquidos por conta do calor. Um quarteirão, naquele raio, nada mais era capaz de ter vida.

Desliguei a magia.

— Merda... — a roupa era projetada para suportar o calor, mas não a tamanha temperatura. Estava nu.

Não tocava mais nos dedos de Mikael. Durante a combustão pude senti-los derreter na minha mão, que inclusive terminou fechada por conta do aperto. O resfriamento voltou de imediato. Ao desligar a magia a temperatura sofreu um choque abrupto ao retornar para os... — Olhei para o lado. O termômetro havia sido derretido. — A liquefação foi interrompida, e o concreto voltou ao estado de concreto. "Ele derreteu?" Não encontrava o corpo dele em nenhum canto.

Ouvi escombros serem revirados mais a frente. Do asfalto compactado junto ao ferro deformado dos carros. Mikael saiu. Se eu posso dizer que aquilo foi uma saída. Ele apareceu. O ombro esquerdo estava preto, pois só isso havia sobrado do membro. Os pés de ambas as pernas também jaziam. Só haviam joelhos pretos, chamuscados pela combustão do meu poder.

Ele ofegava. Devia ter execrado um nível quantitativo de mana para sobreviver. — Só demônios sobrevivem ao inferno. — dei dois passos à frente. Invoquei chamas na mão. — Vamos começar o seu purgatório? 

Deuses de Sangue [VENCEDOR WATTYS 2022]Onde histórias criam vida. Descubra agora