Uma conversa Real

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De certa forma, eu me sentia estranha. Como se estivesse observando a cena toda de fora do meu corpo, como um espectro.

O som dos nossos saltos batendo contra o carpete vermelho, os corpos dos criados se abaixando em mesuras impecáveis conforme passávamos, o calor e a força sobrenatural do braço da Rainha no meu. Tudo parecia real, era real, mas estava distante. Longe demais para eu conseguir processar, abafado demais para eu conseguir me sentir parte daquele cenário.

Disse a mim mesma que sobreviveria, mas sabia que o processo de sobreviver e renascer não era fácil. Era nojento e brutal e doloroso. Mas, pelo menos, o fato de saber que não seria sempre assim era reconfortante, me ajudava um pouco.

Mas, talvez pelo cenário inteiro, eu não estava preparada para tão cedo estar andando de braços dados com a minha ex-sogra, nos corredores de um palácio que uma vez o meu ex-parceiro fizera amor comigo até que eu ficasse rouca.

Talvez fosse até um pouco cômico, se não fosse desesperador.

- Então, Vossa Majestade... - comecei, desesperada por quebrar o silêncio constrangido entre nós - O que gostaria de conversar comigo?

Houve uma pausa, e por um segundo considerei que a Rainha do Inferno estivesse exercendo seu papel e me torturando lentamente. Não tive tempo o suficiente para considerar qual tipo de tortura seria menos dolorosa antes que ela começasse:

- Sinto muito por te deixar em uma posição tão desconfortável, criança. - sua voz melódica beirava o melancolismo, e ainda assim continuava suave - Mas esse é um assunto sem dúvidas de interesse mútuo. Não apenas para nós, mas para toda nossa família.

Engoli a resposta de que não fazia mais parte de sua família. Engoli aquele nó amargo que me pedia para dizer o quanto sentiria falta, mas já não era mais íntima naquele sentindo. Então no lugar, apenas perguntei:

- Então por quê não ter essa conversa na presença dos outros?

Lilith sorriu levemente, como se visse minha guerra interna e estivesse feliz com a minha pergunta.

- Esse assunto ainda é mais relacionado a você do que com os outros, minha cara. Amine é seu parceiro e entendo que ele a tenha machucado de maneira profunda. Portanto, será sua escolha o que faremos e como faremos. De acordo?

Uma vibração sombria me tomou, gelo infestou minhas veias e sombras se tornaram mais aparentes conforme continuávamos a andar pelos corredores vermelhos. Sabia que o assunto seria relacionado a Amine, a Rainha era muito bem comportada para deixar um comportamento como esse passar.

Mas a forma como falava, o jeito que estava se portando... Não parecia que a Rainha pediria desculpas pelo filho, tampouco parecia que ela o protegeria. O que indicava que havia algo a mais ali. Algo escondido que, como todos da família, Lilith me daria a opção de escutar ou não. De decidir por conta própria o que viria a seguir.

Não sabia se era antecipação ou medo que corria com o gelo pelo meu corpo. Mas sabia que estava presente e era uma sensação bem-vinda ao lado do nada ou da depressão. Não sabia e não me importava conforme assenti, apenas uma vez.

- Ótimo! - Lilith suspirou - Primeiramente, quero deixar bem claro que eu e meu marido nunca gostamos de Ísis. Ela sempre foi uma estrategista, provavelmente movida pela sua casa de origem, e nunca se importou muito com Amine. Ela apenas almejava a coroa que é prometida para o nosso filho quando decidirmos que for a hora. Mas nossa filosofia sempre foi e será a de apoiar nossos filhos em qualquer decisão que tomem, então esse foi nosso princípio quando, séculos atrás, Amine tomou Ísis como amante.

Meu estômago se revirou ao pensamento, ódio e tristeza fundindo-se mais uma vez em meu sistema. Mais sombras tornaram a nos seguir.

- Você deve entender que, na época, Amine era tão jovem e tolo quanto é agora, senão mais. - a Rainha sacudiu a cabeça, uma mistura de nostalgia e reprimenda - Ele é impulsivo e extremamente emotivo e jamais se negou algum de nossos pecados. Principalmente o da Luxúria.

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