O Inferno

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Como minha mãe dissera no dia anterior, o novo uniforme já estava no meu armário. Dei graças quando vi que o uniforme tinha luvas e meia calça. Só isso já seria o suficiente para esconder as novas tatuagens dos olhos maldosos daquele Inferno.

Aproveitei que as cores do uniforme eram neutras e peguei uma pequena brisilha de Lua. Uma brisilha pequena, cravada por pequenos brilhantes azuis e ametistas. Amren tinha me dado aquela brisilha no dia anterior, dizendo que ficava melhor em mim.

Desci as escadas e, como de costume, mamãe já tinha ido trabalhar. Ela tinha deixado um prato com algumas frutas e torradas para mim, junto com um bilhetinho. "Já fui para o trabalho! Fiz um café da manhã saudável e gostoso para você. Não demore tanto comendo, ou Emily ficará te esperando! Com amor, mamãe". Eu tinha esquecido de contar pra ela sobre a Emily.

Coloquei o bilhete de lado e sentei na frente do meu prato. Tanta comida... Eu ficava mal só de pensar no tanto que eu tinha comido na noite anterior. Será que seria uma boa ideia comer agora de manhã? 

Claro que eu vou comer! Eu estou com fome e eu vou precisar. Hoje o dia vai ser especialmente longo...

Comecei a comer, ainda perdida nos meus pensamentos. Acabei comendo o prato inteiro, muito distraída para sequer reclamar. Como eu vou pra escola? Eu me repitia essa pergunta diversas vezes.

Lavei meu prato e peguei minha mochila, com os olhos vidrados no relógio. Esperei mais um pouco, garantindo que nenhuma tatuagem ou magia estivesse a mostra, e sai de casa. Ao passar pelo batente, segurei meu colar com tanta força que achei que iria quebra-lo.

O colar de um acordo e de uma promessa. O meu colar, dado pelo meu amigo! Ainda rebatia se era ou não uma boa ideia ir para a escola assim, sem nenhum deles por perto. Mas continuei mesmo assim, de queixo erguido.

Haviam se passado dois dias desdo ocorrido. Eu tinha mudado, mas ninguém saberia a diferença. Pelo menos, como um ato de misericórdio, o caminho para a escola estava tranquilo. Nenhum olhar maldoso de vizinhos, ou reprovações de criancinhas, ou comentários terríveis de estudantes.

Apenas eu, o outono e Salem!

Salem?!

Pera aí... COMO O SALEM TÁ AQUI?! Ou melhor, porque o Salem tá aqui?

- Salem? Você ta me stalkeando por algum acaso? - perguntei para o cachorrinho preto alegre que me seguia.

Ele podia parecer um cachorrinho comum para todos, menos para mim. Era impossível confundir seus olhos violeta. Ele passou para o meu lado, garantindo que não tinha ninguém olhando, e se transformou em humano.

- Perdão! Não queria te deixar desconfortável... - Salem disse, constrangido

- Tudo bem! Mas.. por que você ta aqui?

- Amine me pediu pra te acompanhar até a escola! Ele não queria que nada de ruim te acontecesse, então me mandou.

Ele... Ele estava assim preocupado comigo? Não consegui esconder o sorriso que despertou em meus lábios. Os sonhos ainda tão vivos em minha mente...

- Ele esta por perto? - eu perguntei, um pouco desesperada demais - O-ou a Amren ou o Alex! - eu gaguejei.

Salem, muito educado e discreto, fingiu não perceber o meu desespero em encontrar seu melhor amigo. Ele apenas deu de ombro.

- Os três tiveram assuntos para tratar, por isso me enviaram. Além do mais, eu sou o melhor entre eles em me disfarçar!

Eu ri de seu tom brincalhão. Se ao menos ele pudesse me acompanhar na escola... Mas sabia que era pedir demais. Nenhum dos três iria tão longe assim por mim. Ao invés de deixar a tristeza me dominar, puxei assunto com Salem, o que fez a minha caminhada mais alegre e menos como um corredor da morte.

Um amigo lá de baixo...Onde histórias criam vida. Descubra agora