Todos os tipos de Inferno

405 36 14
                                    

A noite foi um tipo de tortura que ainda não conhecia.

Não sabia ao certo se era emocional, física ou psicológica, mas ela era extremamente bem sucedida. Tão bem que antes mesmo do Sol raiar eu já estava de pé, tentando me ocupar com diversas tarefas inúteis e desnecessárias.

Quando o sol nasceu completamente, eu já havia tomado banho e vestido meu uniforme, e estava olhando fixamente para os cristais de gelo que se formavam no tronco da árvore. A música calmante da Floresta misturada com a energia feliz que minhas sombras transbordavam enquanto brincavam com os raios de sol não faziam nada contra meus nervos.

Esperei ouvir minha mãe sair de casa para descer e fazer meu café da manhã, uma mistura de pavor e ansiedade enrolando em minhas tripas. Demorei para comer, deliberadamente. Não queria sair de casa cedo demais. Não tinha nem certeza de que queria sair de casa!

Mas sabia o que tinha que fazer. O plano que havíamos formado no Inferno era simples, até um pouco bobo quando o escutei pela primeira vez, mas era garantido. A cura para a poção que Ísis havia dado ao Amine era uma prova de vontade própria da vítima. 

Qualquer coisa que mostrasse que Amine ainda estava vivo e sob controle debaixo das amarras do feitiço seria suficiente. Um ataque de raiva genuíno. O gosto de um doce nostálgico. Deuses, até mesmo a vontade de usar uma roupa específica seria o bastante, mas a poção o impedia até mesmo disso. Então, no nosso caso, um beijo entre Amine e eu seria o suficiente.

Claro que, somente isso seria difícil já que a princesa deixava Amine sob rédeas curtas, mas tínhamos que tentar. Pelo menos até que conseguíssemos encontrar um antídoto forte o suficiente para combater a alquimia dela.

Então, nosso plano era algo direto de um conto de fadas: um beijo de amor verdadeiro, de alguma forma. Isso seria fácil! Eu só teria que agarrar Amine a força e beija-lo até que, puff, o feitiço se foi. Mas não, o universo me odeia! O que eu realmente tenho que fazer é instigar no meu parceiro a vontade de me beijar, de forma que ele consiga quebrar o feitiço e, pelo menos me dizer, que quer me beijar.

- Eu me odeio... - murmurei com minha testa apoiada contra a bancada da cozinha.

- Espero que não esteja falando sério. - a voz de Alex me cumprimentou.

- É uma expressão. - eu disse, levantando minha cabeça para olha-lo.

- Que expressão é essa? - ele perguntou cínico, arqueando uma sobrancelha em minha direção - Nunca ouvi um humano sequer a dizer.

- É um expressão usada para quando você quer dizer que o universo tá fodendo com a sua cara! - respondi com um sorriso doce, mas minha voz monótona.

Isso arrancou uma risada de Alex, que veio se sentar ao meu lado. Ele não disse nada por alguns segundos, apenas observando as minhas sombras, e realmente achei que fossemos ter uma conversa profunda. Estava prestes a amaldiçoar a bancada da cozinha por me fazer chorar por dois dias seguidos, quando Alex disse.

- Se o universo estivesse fodendo com você, Karma, nós não estaríamos aqui. E mesmo que esteja, ainda estaremos aqui.

Ele sorriu, e sinceramente foi a única coisa que precisava para me motivar. Eu não passaria a eternidade sozinha, mesmo se as coisas não dessem certo. Eu sempre teria eles comigo, não importa a maré.

- O que os dois tão fazendo aí? - a voz abafada de Amren surgiu através da porta de entrada - Vamos logo! Senão a gente vai se atrasar!

Não resisti a risada que saiu de mim e olhei para Alex.

- Pronta? - ele perguntou, como se caso eu dissesse não, ele ficaria comigo dentro de casa.

Mas eu não queria e nem podia me dar a esse luxo.

Um amigo lá de baixo...Onde histórias criam vida. Descubra agora