Um amigo lá de baixo...

O que você quer?

Eu odeio admitir, mas eu estava tremendo.

Não por causa do frio, nem por causa da neve que começou a cair a pouco tempo. Mas sim graças a sensação do toque de Victor, que me perseguia como se houvesse marcado a minha pele.

Eu podia ter ganhado dele, podia ter mostrado que sou mais do que capaz de me proteger e de viver sozinha, mas ele ainda vencia. Vencia por que ainda tinha um poder sobre a minha mente: o medo.

Salem, bondoso como sempre, havia me tomado em seus braços logo que entramos nos limites da Floresta. Ele me abraçava, mas deixava que a própria Floresta me cantasse uma canção tranquila, acalmando meus nervos e o poder que ainda formigava sob a minha pele.

Assim que chegamos na Casa, Amine já me esperava do lado de fora, me tirando dos braços de Salem para me por nos dele. Ele beijava o topo da minha cabeça enquanto me levava para a aquecida segurança da Casa.

Fomos direto para a cozinha, onde Salem preparou chocolate quente para mim. Amren e Alex apareceram logo em seguida, a primeira se sentando ao meu lado.

Se eles sabiam o que tinha acontecido? Não tenho a mínima ideia, mas eu sei que eles sabiam que eu precisava deles naquele momento. Precisava da minha família do meu lado, e lá estavam eles!

No momento, eu contava o que havia acontecido, como Victor havia tentado me tocar e... As lágrimas cresciam com os meus tremores.

Amren e Alex faziam uma promessa silenciosa de matar Victor na próxima vez que o vissem. Salem estava concentrado em qualquer ferida possível que eu pudesse ter. E Amine... apenas ódio puro brilhava naqueles olhos intensos.

Raiva e ódio e... culpa, percebi. Ele se culpava por não estar do meu lado quando Victor me atacou e se cobraria disso até o fim de nossos dias.

Acariciei o sua mão com o meu polegar, sorrindo suavemente por cima das minhas lágrimas. Eu estava bem. Em choque, mas bem. E era isso que importava. Amine apertou a minha mão de volta, em um pedido silencioso de desculpas.

Amren, que escutava tudo com cautela ao meu lado, me abraçou com força.

- Eu te juro Karma, com tudo que me há de direito, que não haverá um próxima vez - ela disse, apertando seus braços ao meu redor - Ninguém jamais vai fazer isso com você de novo. Ninguém!

Alex assentiu com as palavras da irmã, ainda de pé na entrada da cozinha e com os braços cruzados. As suas mãos estavam apertadas com tanta força que os nós dos dedos haviam ficado brancos.

- Eu deveria estar lá hoje... - Amine murmurou. Mas antes que eu pudesse contestar, ele disse com orgulho - Mas fico mais do que feliz em saber que consegue se virar sozinha. Não esperava menos de você, meu amor...

Essas palavras... Com Amine ali comigo, me amando e me protegendo, eu sabia que podia fazer qualquer coisa, ser qualquer coisa. Meus tremores haviam parado, junto com as minhas lágrimas. Apenas com a lembrança, o desejo de passar o resto da eternidade com ele.

E foram essas lembranças que me acordaram para a vida. Querendo ou não, eu precisava contar para eles sobre o meu encontro com as Irmãs da Verdade e o mais rápido possível.

Olhei rapidamente para Salem. Eu sabia que ele sabia o que eu havia feito durante aquele tempo na Floresta. Sabia que ele havia sentido o quão importante aquilo era. Portanto, com um suave movimento de cabeça, Salem me disse para prosseguir. Me disse para contar a verdade e... era exatamente isso que eu ia fazer.

Todos entraram em silencio novamente quando eu me preparei para falar, prestando o máximo de atenção em cada movimento meu.

- Antes do... ocorrido - a simples menção do que havia acontecido instigaria mais ódio entre a minha família, coisa que eu não queria. Não quando eu estava prestes a contar algo tão... inovador - Eu estava na Floresta, conversando com...

Eu dei uma pausa. Sabia que o reconhecimento de que estava com criaturas tão poderosas e perigosas alertaria os meus amigos e talvez os assustaria. Mas não havia outra forma além daquela, então respirei fundo antes de continuar.

- Eu estava conversando com as Irmãs da Verdade, junto com Tenebris - eu disse rapidamente, como se estivesse tirando um band-aid de um machucado recém feito. Não dei tempo para que todos da cozinha tivessem tempo para raciocinar antes de continuar - Elas me contaram o que eu sou e... me deram alternativas de como viver assim. - ninguém respondeu, esperando que eu completasse o meu pensamento de uma vez por todas - Elas podem me fazer imortal!

Eram expressões muito diferentes e até um pouco assustadoras. Tirando Salem, que já sabia o que havia acontecido, todo o resto parecia a ponto de berrar.

Alex, que ainda estava na porta, apenas olhava fixamente para o chão. Seu rosto estava um pouco pálido pela menção as criaturas, mas ele parecia estar analisando a situação. Contando cada variável possível apenas para não ter que falar nada.

Amren estava boquiaberta e tão pálida quanto a bancada de mármore. Apesar de ter um brilho misterioso em seu olhar, como um brilho de alívio, minha amiga não estava acostumada em escutar tão casualmente o nome das Titânides.

Amine, meu querido parceiro, estava com uma expressão um tanto quanto... diferente. Seus olhos ainda reluziam um pouco do ódio redirecionado a Victor, mas ainda assim, existia um brilho glamoroso em seu olhar. E ao invés de estar pálido e com medo das criaturas que eu acabara de mencionar, ele estava corado.

- Como? - Amine perguntou, segurando a minha mão um pouco mais forte, apenas para saber se eu realmente era real.

Olhei para Salem, sem muita força ou coragem para dizer mais do que já havia dito. Mas mesmo quando ele começou a falar, o olhar de meu parceiro não deixou de se fixar em mim.

- Karma tem menos de sete dias para fazer sua escolha - Salem começou - Assim que ela fizer, as Irmãs lhe ajudarão com todo o processo: criar um corpo, sustenta-lo com magia e... encontrar um fim para ela.

- Você... - Amren começou, um pouco em choque.

- Precisa morrer para entrar em um outro corpo... - completou Alex, vendo que a irmã não tinha forças para faze-lo.

Não era exatamente um pergunta, mas assenti mesmo assim.

Os ombros de Amine ficaram um pouco tensos ao ver a resposta. Seus lindos olhos roxos ficaram enevoados com algo como preocupação.

- Eu - comecei a falar - queria saber a opinião de vocês no assunto. O que vocês acham... sobre isso.

Todos se entreolharam. Até mesmo Salem se chocou um pouco com a pergunta. Não só por que era como a minha vida tomaria rumo, mas também por que eu perguntava se eles estariam do meu lado.

Eu perguntava se durante todo o processo e o resto da minha vida imortal, eles viveriam comigo. Se eles não me abandonariam.

Mas antes de qualquer um deles tivesse a chance de responder, Amine tomou as minhas mãos na deles, me forçando a olha-lo.

- Não importa se você é humana, um anjo ou um demônio, nós sempre estaremos com você - ele disse firme, mas carinhosamente - E quanto a isso Karma, cabe apenas a você.

Meu coração se apertou e lágrimas de felicidade brotaram em meus olhos. Eles me aceitariam, eu percebi. Mesmo mora, mesmo doente, mesmo a mil quilômetros de distância, eles me aceitariam e apoiariam. Por que eles eram a minha família. E como uma, nunca me abandonariam.

- Eu... Eu acho... - minha resposta já tinha sido formulada no momento em que Reia me deu as opções, mas meu peito não ousara as dizer em voz alta.

- O que você quer? - Amine perguntou por fim, apertando um pouco mais as minhas mãos na dele, antecipando a resposta.

- Eu quero...