O Encontro

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O ar frio da meia-noite congelava as minhas lágrimas. A terra úmida sujava o meu vestido encharcado e já havia perdido o meu salto a muito tempo. Minhas recém abertas feridas ardiam com o frio e com as lágrimas. A Floresta ainda cantava pra mim. Não uma canção para me atrair às suas profundezas, mas uma para me acalmar. Não adiantou muito... 

A água fria encharcando os meus cabelos e as minhas roupas não ajudou nada contra o vento que chacoalhava as árvores como um sussurro. Eu sou mesmo uma tola... suspirei. Uma tola chorona! solucei, enterrando mais ainda a minha cabeça em meus braços. Peguei meu celular na esperança que estivesse com bateria, para conseguir ligar pra minha mãe, voltar para casa, ou saber onde eu estava. Ótimo... sussurei quando olhei para meu celular sem bateria. Mas pelo menos estava sozinha, tudo o que queria e precisava naquele momento. 

Quase não percebi que a Floresta começou, aos poucos, a se calar. Quando a Lua estava prestes a atingir seu ápice, o vento que estava me fazendo bater o queixo parou de sussurrar para as folhas, me deixando apenas com o frio mórbido da Floresta. Os animais que rastejavam, andavam ou cantavam ao seu brilho se silenciaram, em uma calada preocupante. Mas foi apenas quando uma estranha névoa começou a cobrir o solo e as árvores que eu me preocupei, e subi em um galho médio da árvore na qual estava agachada. Algo não estava certo, e eu sabia. Sabia por que o silêncio era pesado. Eu sabia por que estava silêncio. Silêncio onde antes havia uma canção da Floresta.

O frio cortou minhas bochechas coradas, assim como espinhos arranharam minhas mãos, quando escalei aquele galho. Era alto o suficiente para ficar longe da visão de qualquer criatura, mas baixo o suficiente para eu conseguir pular e correr, se necessário. Aquela linda e estranha névoa apenas intrigava aquele pequeno canto em minha alma, o canto encantado pelo sobrenatural e pela arte. Se tivesse que pintar ou dar um nome para aquela anomalia, diria que era uma Névoa de Estrelas. Um fragmento do próprio céu que se condensou em ar translúcido e cheio de estrelas.

Mas nem mesmo essa parte primitiva e simples da minha alma se quebrou ao perceber a paisagem, a minha paisagem. Os arbustos com um verde pálido e laranja, misturando-se  às sombras das árvores de cascas marrom-acinzentada, com galhos finos e cheios de espinhos quase sem folhas para o inverno. A mesma paisagem que, a poucas horas atrás, eu desenhara com os mesmos detalhes e precisões. A paisagem que a Floresta tinha cantado para mim, que tinha me feito pintar aqueles... olhos

A paisagem era igual, mas os olhos que havia pintado não estavam ali, ainda. A névoa ficou mais densa, a ponto de que era quase impossível ver a mais de um metro, mas o silêncio foi quebrado... por passos. Passos determinados e calmos e, de alguma forma, elegantes. Se não fosse pelas folhas secas no chão, que estalavam sob o dono dos passos , eu não o ouviria chegar. 

Todos os meus sensos me mandavam correr, fugir dali. Meus instintos berravam sobre o assovio calmo do homem que se aproximava, mas eu fiquei. Aquela força primitiva e, agora, subrepujante me manteve em pé. Os passos ficavam cada vez mais perto, mas era impossível ver onde estava. Os sons ecoavam em todas as direções, mas eu ainda assim me acalmei. Se eu não consigo ve-lo, pensei respirando fundo, ele não consegue me ver! A névoa não está ajudando muito para ninguém... Pensei por fim.

Mas os passos ainda soavam determinados. Ele sabia onde estava. Ele não havia tropeçado uma única vez em alguma pedra ou raíz ou galho. Ele apenas continuava andando com uma força e leveza impressionantes. A luz da Lua, finalmente, me serviu de direção. A sombra de um jovem alto e forte surgiu da neblina, a mais ou menos cinco metros de distância. Apenas esse relance de onde estava e quem era, pois menos de um minuto depois a Lua voltou a se cobrir com nuvens. 

Ele não tinha me visto, eu estava escondida em uma sombra da árvore, ele não tinha me visto... Era o que eu continuava a dizer. Mas ele continuava a andar e assoviar, em minha direção. Meu coração batia tão forte que achava que dava para ouvir do outro lado da cidade, mas me forcei a ficar de pé, encostada no tronco da árvore, sem me mexer ou chamar a atenção. 

Um amigo lá de baixo...Onde histórias criam vida. Descubra agora