De mal a pior

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"Todos os caminhos estão errados quando você não sabe aonde quer chegar" - William Shakespeare

As ruas de La Savior estão quentes e de um amarelo ofuscante por conta do por-do-sol. Estou indo para casa sozinha, como sempre, depois de andar durante horas pela cidade. Assustei-me quando um gato pulou da janela de uma das casas e saiu correndo atras de algum animal que não consigo enxergar.

Tudo está quieto e depressivo. Todas essas mansões enormes, cheias de pessoas vazias que só ligam para a marca de suas roupas e quanto de dinheiro elas têm na conta do banco. Nenhuma delas diferentes dos meus pais.

Alias, eles têm uma mansão, carros absurdamente caros, uma companhia - a empresa mais rica dos Estados Unidos - roupas de grifes e casas na praia. Mas e daí? E amigos, amor, felicidade? Isso não importa?

Entrei dentro da grande cela que sou forçada a chamar de lar e comecei a subir as escadas, pensando somente em chegar ao meu quarto e trancar o resto do mundo para fora, mas parei quando passei em frente ao escritório do meu pai e ouvi alguns barulhos vindo de lá. É a voz dele e de mais alguém que eu não reconheço. Não pode ser da minha mãe, já que ela esta passando um tempo em Paris.

Abri a porta, curiosa, - meu pai nunca recebe clientes em casa - e a cena na minha frente me paralisou e embrulhou meu estomago ao mesmo tempo. Não é nenhum cliente! Muito menos a minha mãe. Meu pai está se agarrando a um homem alto, de cabelos loiros. Os dois estão semi nus.

Não demorou nem um minuto para eu reconhecer o homem, é o meu professor de literatura, Sr. Dowling.

- Que porra é essa?

Os dois olharam para mim, afastando-se um do outro, recolhendo as roupas do chão e colocando-as de volta. A cena seria cômica se não fosse trágica.

- Gaia, querida - meu pai tentou se aproximar, mas dei um passo para trás - Não é nada do que você está pensando!

- Nada do que estou pensando? - Ri da situação, tentando entender o que esta acontecendo.

- O que estou pensando é que meu pai é um viadinho que adora contar piadas homofóbicas para os clientes dele quando não está fodendo o meu professor de literatura! É isso que estou pensando.

O silêncio pairou sobre escritório depois que gritei as palavras presas na minha garganta. O ar ficou denso, impossibilitando o funcionamento dos meus pulmões. Só quero sair daqui e ficar o mais longe possível do meu pai. Tentei correr em direção ao meu quarto, mas antes de alcançar a maçaneta uma mão agarrou meu braço, me virando.

- Você não pode falar sobre isso com ninguém! - Meu pai cochichou, seus olhos alarmados, quase desesperados - Entendeu? Não conte para ninguém, tenho uma reputação que não pode ser manchada.

O aperto no meu braço aumentou, a pressão fez lágrimas brotarem nos meus olhos, mas tratei de engoli-las antes dele ver.

- Me larga, seu babaca. A unica pessoa pra quem vou contar é a minha mãe.

Para a minha surpresa ele começou a rir e me soltou.

- Sua mãe? Por que você acha que ela está em Paris?

A realidade me atingiu tão forte quanto um soco. Minha mãe sabe. Ela sabe de tudo e nem se importou em me contar, no lugar, ela preferiu me deixar pra trás com esse velho desgraçado e ir passar um tempo em Paris. Eu já devia saber. É assim que tudo sempre funcionou por aqui. Ela foge dos problemas e me deixa sozinha lidando com as consequências.

- Surpresa, é? - Ele se virou e desceu as escadas, me deixando paralisada na porta do quarto.

Levei algum tempo para conseguir me mexer de novo. Assim que entrei no quarto tranquei a porta, decidida a achar meu celular em meio a bagunça de papéis dentro da minha mochila. Não estou nem ai que já é mais de meia-noite em Paris, preciso falar com ela.

O telefone tocou alumas vezes até eu ouvir uma voz sonolenta do outro lado da linha.

- Gaia, que surpresa! Como você está?

- Por que você não me contou? - A respiração da minha mãe acelerou, mas ela permaneceu em silêncio. - Por que? - Gritei, esperando a resposta.

-Gaia, querida. - A voz dela é doce, quase infantil. Ouvi um suspiro de cansaço, mas ela continuou - Este não é um problema seu, pode deixar que cuidarei disso sozinha.

- Cuidará disso? - Minha raiva voltou, mais forte do que antes - Cuidará disso como? Voando para Paris e fugindo do problema?

Esperei pela resposta que sei que não virá. Fechei meus olhos, desejando mais do que tudo ser outra pessoa, fugir de todos os problemas, de toda a dor.

- As vezes eu queria que vocês não fossem meus pais, quem sabe assim eu não seria amada e cuidada de verdade, ao invés de ser jogada nas mãos de empregadas e deixada em segundo plano.

Desliguei o celular para ela não ouvir meu choro. Estou cansada de tudo. Estou cansada dessa vida, dessas pessoas, da escola, dos empregados. Me ajoelhei, cruzando os braços em frente ao peito, tentando juntar os pedaços que meus pais quebraram. 

Necessitando de um alívio fui ao banheiro e peguei uma navalha no gabinete. Preciso escapar de tudo; olhei para cima e senti meu coração desacelerar quando o metal penetrou meu pulso e o sangue escorreu pela minha mão.

Não lembro quando nem como, mas em meio a toda dor e choro, dormi. Não um sono tranquilo e sem sonhos; tive um sonho agitado, daqueles que quanto mais você corre mais lenta suas pernas ficam e depois de um tempo, quando você percebe que não adianta tentar fugir, você desiste e rende-se aos monstros da realidade.

Não diferente do sonho, em algum momento durante a noite me rendi, me conformando com a merda que chamo de vida. Sei que nunca ficará mais fácil. Devo ser mesmo destinada a ser infeliz.


Roleta RussaOnde histórias criam vida. Descubra agora