Next Reality (Parte I)

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"Sonhava com esses cenários fantasiosos com bastante recorrência. Nesses delírios, Tony se chamava Dante e era um infame "Devil Hunter" que protegia o mundo humano dos demônios. Essa história poderia facilmente ser usada em uma mídia ficcional de tão maluca que soava, no fim, não haveria coisas assim na vida real."

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Acordando num rompante frenético e com um grito asfixiado na garganta, Ivy esquadrinhou o cômodo mergulhado em uma densa escuridão, de início, se questionando onde estava, porém, com a adrenalina se esvaindo de seu organismo e não mais deturpando ...

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Acordando num rompante frenético e com um grito asfixiado na garganta, Ivy esquadrinhou o cômodo mergulhado em uma densa escuridão, de início, se questionando onde estava, porém, com a adrenalina se esvaindo de seu organismo e não mais deturpando sua noção de espaço, quase confundindo-a, reconheceu o quarto que compartilhava com o noivo. Seu coração batia em um ritmo alucinante e seus pensamentos se recusavam a processar o sonho bastante fresco, delimitando instintivamente o acesso ao conteúdo completo do devaneio, quase como se estivesse se protegendo do que existia nele. Desnorteada pelo sono interrompido, mirou o homem deitado ao seu lado da cama com um sentimento de alívio que abrandou o terror noturno que a acometeu, encorajando-a a retornar aos braços de Morfeu, embora o espectro do medo ainda a rondasse e não queria ser capturada pelo pesadelo novamente.

- Que bizarro - sussurrou letárgica.

Conferiu o relógio no móvel, resmungando baixinho por, além de ser bastante cedo, acabou caindo no horário mais cansativo para restabelecer seu descanso. Seu corpo possuía um despertador próprio que assim que decidia se manter alerta e ativo, não se revertia e não seria capaz de dormir novamente. Cogitou acordar seu companheiro para adiantar os serviços tanto domésticos quanto os do negócio, no qual usualmente, estava marcado para as seis horas - uma estipulação que nem ele, quem criou essa base, respeitava por não ser um indivíduo matutino - contudo, optou por deixá-lo assumir sua responsabilidade com seu cronograma.

Anthony Redgrave, para os íntimos Tony, é dono de uma agência de investigações privadas com certo renome na área. Com seu aflorado senso de dever e usando os fundos que guardou durante anos, o experiente detetive investiu na carreira e na fundação do estabelecimento para cumprir uma promessa pessoal após a morte de sua mãe em um incêndio criminoso, ele fez da justiça seu principal lema e nunca permitiria que pessoas inescrupulosas saíssem impunes de suas barbáries, nem que para tal tivesse que chegar nos extremos de sujar suas mãos - o que nunca ocorreu. Tony tentava nunca ultrapassar a tênue linha do racional em suas convicções e ações para não se tornar o que ele tanto despreza.

Ela tinha sorte de tê-lo como seu alicerce, seu parceiro e amante.

Ivy sorriu com as memórias que agora ocupavam sua mente, substituindo o humor dúbio gerado pelo pesadelo por uma calidez reconfortante, arrancando-lhe um suspiro apaixonado. Ela conheceu e se encantou por Tony quase que instantaneamente, na época ambos conviviam pelo contrato entre cliente e profissional, algo que, com o tempo, floresceu em emoções mais intensas e inegáveis que os conduziram a uma relação de cinco anos. Planejavam se casar dentro de alguns meses e talvez o estresse dos preparativos tivessem afetando-a mais do que imaginou a princípio e, como consequência, sonhava com esses cenários fantasiosos recorrentes.

Nesses delírios, Tony se chamava Dante e era um infame "Devil Hunter" - uma nomenclatura bastante excêntrica, mas assertiva - cuja função é impedir que demônios transformassem o mundo humano em um pandemônio. Essa história poderia facilmente ser usada em um livro ou filme de tão maluca que soava, no fim, não haveria coisas assim na realidade. Riu de si mesma ao avaliar o nível daquela bobagem.

Marchou para cozinha pra fazer o café da manhã, escolhendo um cardápio menos complexo e alimentos mais leves. Por alguma razão que não compreendeu, sentiu uma inquietação e a necessidade estranha de ligar pra Paul e contar sobre esse assunto. Confiava em Tony, entretanto, sabia que o noivo veria aquilo com graça e não levaria a questão a sério, ao contrário de seu irmão mais velho no qual podia falar abertamente sem o risco dele brincar com a situação. Agarrou o celular, procurando o número de Paul em sua lista, ainda sem ter certeza de ir em frente com seu desejo.

Apesar da crença de muitos, gêmeos tinham uma diferença mínima para declarar qual é o maior e o menor, como no caso de Paul e Tony, sendo o cunhado o primeiro nessa equação. Ambos passaram anos separados por circunstâncias da vida, agora, depois de quase três décadas, podiam restituir o vínculo de irmãos com o bônus de terem agregados a família, como ela. Paul se dedicou a medicina e tinha um filho chamado Angelo com o temperamento bastante similar ao do tio em sua idade, também administrava negócios menores - o que o tornava a parte mais rica dos parentes.

Afugentando as inseguranças previsíveis, se dedicou a organização e a limpeza, fazendo daquelas tarefas uma válvula de escape. Não soube dizer ao certo o período que se desligou do resto do mundo, agiu puramente por autopreservação.

- Não vai demorar muito. - disse a si, desempenhando a função de cozinhar.

Estremeceu com o contato de dois braços envolvendo sua cintura e a abraçando por trás.

- Oh, heya. - saudou se arrepiando com o roçar da barba por fazer em seu pescoço.

- Levantei e não te encontrei na cama. - bocejou.

- Eu acordei cedo e vim adiantar os afazeres.

- Podíamos ter ficado mais tempo juntos, não acha? - cantarolou com a voz rouca. - Não é sempre que temos folga ao mesmo tempo.

- Folga? Até onde recordo, você deveria trabalhar hoje - replicou, rindo.

- Disse certo: tinha. Me dei uma folga.

Balançou a cabeça gargalhando da manobra do detetive para decretar a própria ausência do serviço, entretanto, como ele raramente se dá ao luxo de ficar longe da agência, uma vez ou outra não seria uma grande falta.

- Já que ficará em casa, a louça é sua.

- Você fará mesmo isso comigo, doçura?

Um frio rastejou por suas entranhas com a menção do carinhoso apelido, o que tratou de ocultar antes que ele tivesse a chance de flagrá-la e, com seus apurados instintos investigativos, identificar uma apreensão por trás da doce fachada de namorada amorosa.

Precisava mesmo conversar com Paul. Mais do que imaginava.

- Tony, vou ter que comprar um livro e passar na casa do seu irmão. - anunciou assim que depositou o prato na mesa. - Vai ser uma viagem breve. Só preciso resolver um assunto, tudo bem?

Tony arqueou a sobrancelha, intrigado.

- Certo, sem problemas. Só não demore muito, sim? - bebericou o suco de tomate com júbilo.

- Não vou, fique tranquilo. - sorriu, plantando um beijo rápido na testa dele.

Assim que saiu do escopo do noivo, liberou toda tensão dissimulada e se arrumou com a mente dispersa, a deriva em um caótico mar de confusão e dúvidas. Não se demorou muito para sair, apressada, da casa que dividia com Tony e se designar ao percurso para a residência de Paul.

Uma música, um ritmo contagiante e cheio de intensidade, ressoou - atraindo imediatamente seu interesse. Ivy franziu o cenho e se deteve ante a loja na qual se originara o som, observando a decoração e figuras de personagens de jogos. Na sua adolescência costumava amar jogar e desfrutava dos mundos novos a explorar que a experiência proporcionava, embora tivesse mantido o hábito, já não aplicava toda hora livre nessa diversão.

Franziu o cenho, seu olhar vagou para a vitrine, e, ao lado de uma face familiar, havia um jogo... Devil May Cry.

Ivy ganiu horrorizada.

Não era esse o nome...? Não lembrava de ter o jogado antes, então por que sonhou com isso?

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