Uma Carta para Dias Esquecidos (Parte I)

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"Dante alcançou a caneta e mirou o papel, a princípio tudo que processou foi a quase nula vontade de contribuir com a ideia, porém, com o semblante esperançoso do filho, não teve outra alternativa senão tentar mesmo. Se ajustou no sofá, ainda agarrado a folha e saiu de sua zona de conforto para buscar sua redenção em linhas que sequer sabia como escrever."

[ Dante e Gael | Dinâmica Familiar | Pai e Filho | leve Angst ]
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Aquilo que se Escreve para o Futuro

O TEMPO FLUÍA CONTINUAMENTE em uma correnteza diligente no qual os minutos viram horas, horas se transformam em dias e dias convergiam em meses - uma sequência monótona, repetitiva e melancólica. E uma rotina que Dante não somente conhecia intimamente como também considerava um velho companheiro de viagem, estando ao seu lado desde sempre. Jogado no sofá velho com um odor bolorento de poeira que se impregnou no couro gasto, o Devil Hunter derrubou a garrafa vazia no amontoado que se encontrava ali perto. Numerosas caixas de pizzas se acumularam pelas esquinas da loja junto dos incontáveis engradados de bebidas espalhados evidenciando a falta de ordem e a severa negligência do proprietário que se recusava a romper a bolha que deliberadamente criou em seu entorno.

Se não fosse os trabalhos ocasionais, dificilmente ele sairia para além das paredes decrépitas de Devil May Cry, basicamente seus dias se resumiam a acordar, comer pizza, beber, dormir e, vez ou outra, ir a alguma missão que lhe designaram. Ele não desejava fugir desse ciclo tampouco fazia questão que alguém o encorajasse a tal, Dante vivia um luto sem morte para lamentar, regado de memórias e feridas não cicatrizadas que se abriam para recordá-lo de sua tortuosa existência.

Gael ajustou o cachecol, assistindo, em primeira mão, a decadência do famigerado e impetuoso caçador com um misto confuso de sentimentos, parte o repreendia por se abater sem lutar e o outro compreendia a natureza das emoções que o mantinham estagnado. Depois de tantos traumas e das perdas, em algum momento, o muro que Dante erguera racharia e pelas fissuras vazariam o que guardava dentro, obrigando-o a auto confrontação - a série de mecanismos de resguardo talvez não funcionariam para protegê-lo no ápice de suas vulnerabilidades.

Desgostoso com o desastroso cenário, o jovem caçador chutou de leve uma das garrafas para checar o conteúdo, embora estivesse consciente da rescendência de álcool em Dante. Ser um meio-demônio não o impedia de sofrer os efeitos de uma dose exagerada de uísque e outras misturas, certamente, a essa altura, ele estaria bêbado.

Seus pés produziram ruídos no assoalho gasto a medida que se deslocava pelo local silencioso, anunciando sua presença ativa. Gael balançou a cabeça com a visão deprimente do caçador que se afundava mais nesse ciclo de sofrimento que, até então, Dante não permitia que ninguém testemunhasse. Ele sempre foi bom em ocultar, em transparecer tranquilidade e irreverência. Ninguém sabia o que realmente passava em sua mente, a verdade de suas ações e a dimensão real de seus sentimentos e, aparentemente, ser uma figura ausente na vida do próprio filho foi outro desencadeante desse deslize.

Gael estremeceu.

- Dante? - chamou, se aproximando. - Está acordado?

- Não, estou tirando uma doce soneca, garoto. - Dante replicou com um tom desdenhoso, sorrindo. Os olhos azuis estavam foscos, sem emitir o típico brilho selvagem e espirituoso.

- Isso não vai resolver seus problemas, você sabe. - disse com semblante estoico, fazendo o caçador mais velho franzir o cenho.

- Não me olhe assim, parece que estou vendo meu irmão. - resmungou. - Eu não preciso lembrar que ele foi seu "pai". - havia mágoa dissimulada na maneira de proferir a palavra em específico. Dante se mostrou bastante genioso e sentimental bêbado, sobretudo ao revelar sua desgraça e pesar com a situação.

Gael suspirou.

- O que você fez com esse lugar?

- É a minha casa eu faço o que quiser, ou não gostou da decoração? - a incoerência no humor de Dante genuinamente preocupou Gael. - Pra que manter esse lugar limpo? Não é como se os clientes reparassem nisso, não concorda?

- Essa não é exatamente a questão - avaliou o estado atual da loja e franziu o cenho. - Dessa vez você se superou no quesito caos. - voltou a atenção a Dante. - Em vez de simplesmente deixar isso te consumir, por que não tenta focar em outras coisas?

- Não sou exatamente o melhor tipo pra isso como deu para perceber. - encarou o teto. - Seu velho pai não é bom para lidar com essa carga toda.

A confissão ressoou pelo escritório, trazendo consigo uma atmosfera de profunda melancolia, uma dor tão abrasiva e sufocante que Gael teve que lutar com o tremor que lhe acometeu.

Esfregando o queixo, Gael sugeriu:

- Você poderia aproveitar e escrever cartas pra desabafar do que sente.

Dante permaneceu em silêncio, perdurando por alguns minutos.

- Escrever cartas não é muito o meu estilo, garoto - rematou. - E o que eu escreveria?

- Mas é melhor que ficar bebendo pra afogar as dores. - comentou com gentileza, alentando-o a prosseguir com essa ideia mais saudável para se desafogar de tantas emoções que o corroíam por dentro.

- Sabe há quanto tempo não escrevo, garoto?

- E está perdendo tempo evitando. - replicou, cruzando os braços.

Gael lhe entregou algumas folhas velha e uma caneta.

- Tente.

Não custava, certo?

Dante alcançou a caneta e mirou o papel, a princípio tudo que processou foi a quase nula vontade de contribuir com a ideia, porém, com o semblante esperançoso do filho, não teve outra alternativa senão tentar mesmo. Se ajustou no sofá, ainda agarrado a folha e saiu de sua zona de conforto para buscar sua redenção em linhas que sequer sabia como escrever.

Se acomodou na cadeira e depositou o papel na mesa, fitando o retrato da sua mãe. Ela certamente teria palavras adequadas para exprimir dentro de uma carta, mas e ele? Como faria tal coisa?

Gael andou para perto.

- Quer que o deixe sozinho?

- Não. - murmurou meditativo. - Gosto da sua presença. - admitiu com pouco filtro, batucando a caneta na mesa.

- Vou ficar por aqui... Talvez limpar esse lugar. - sugeriu, analisando a bagunça.

- Você é parecido a sua mãe.

- Algo dela eu precisava ter. - sorriu, indicando o aspecto que possuía que era uma clara prova do gene dominante dos Spardas. - Ela gostava da ideia de cuidar de quem ama. Isso de linguagem do amor.

Dante fitou Gael por um breve instante, as memórias sobre Diva vindo a superfície. Tudo que viveu com ela e as coisas que ainda irão acontecer, principalmente com a constante que Gael seria por ali e, como uma epifania, soube exatamente sobre o que deveria escrever.

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