Individualidade

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"Vergil agora vivia no mundo que outrora abandonou, reivindicando sua humanidade e a concepção real da plenitude — da própria vida."

[Vergil centric | Trauma Passado | Menção a Devil May Cry 1]

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A mente governa a matéria — esse era o lema para concretizar seu ideal e aperfeiçoar sua disciplina. Um guerreiro virtuoso de verdade não sucumbe as fraquezas dos pensamentos levianos tampouco as dores mundanas da carne, tais debilidades servem unicamente para escravizar aqueles cuja alma se perdera no abismo e este se tratava de um velho conhecido no qual Vergil já confrontou diversas vezes em um longínquo passado. Não tinha nada a provar a ninguém além de si mesmo, suas lutas e seu propósito pertenciam a ele e mais ninguém. No entanto, por mais que dominasse com maestria suas falhas, elas, eventualmente, sobem a superfície para recordá-lo de sua existência. Tal qual vírus que infecta um organismo saudável e contamina sua vítima, esses pequenos e nefastos fragmentos rastejam por ele buscando ansiosamente uma fissura para se esgueirar para fora — o que Vergil não permitiria.

Imediatamente expurgou, condenando qualquer reminiscência, a sutil interferência das emoções corrompidas ainda presas a ele.

Elevou a cabeça para mirar o céu, um ato tão simplório que nunca se dera ao trabalho de realizá-lo pura e exclusivamente para admirar a imensidão azul. Longe do vermelho escarlate e do cinza mesclado a um preto de sua vida anterior, não havia a escuridão imperativa que devorava as diminutas fagulhas de luz, apenas um frescor que derramava vitalidade junto ao fulgor gentil. Ele agora vivia no mundo que outrora abandonou, reivindicando sua humanidade e a concepção real da plenitude — da própria vida.

Ao ponderar a respeito, em retrospecto, nunca teve uma visão tão otimista, não possuía o coração puro de Nero ou a facilidade de Dante de atuar vestindo uma patética máscara, para uma experiência “normal” de se viver. Com passos lentos, obteve sucesso em se reconstruir, lidar com uma parcela significativa dos fantasmas dos traumas e, principalmente, enxergar a possibilidade de criar um vínculo com seu filho.

Caminhando por entre figuras que seguiam suas monótonas rotinas, Vergil percebeu uma sombra que se ocultava em meio ao mar de pessoas: se erguendo feito uma entidade independente Nelo Angelo encarou Vergil com apatia, sem se mover, como se ambos estivessem se visualizando através de um espelho que revelava os temores mais vis do indivíduo que lhe desse demasiada atenção. Quantas vezes já o vira antes? Nelo Angelo era seu carma, sua sombra e seu passado maculado e que abominava. Entretanto... Não é fugindo dele que as coisas mudariam, certo? Tinha feito isso durante décadas e nada bom surgiu dessa negação. Precisava aceitar o que aconteceu e não mais se corroer em vergonha e culpa.

Uma vez fora um fantoche de Mundus, agora, não tinha porque carregar esse legado amaldiçoado.

— Você não me assombra mais. — disse com frieza, vendo a imagem se desfazer feito poeira soprada ao léu.


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