NA MESMA SINTONIA
A PARTE RUIM DE SE MORAR SOZINHO e ter seu negócio próprio era a constante necessidade de manutenção e a compra rotineira de suprimentos, mesmo evitando ter que desempenhar tais papéis, Dante sabia que não teria como continuar postergando sem acabar ficando sem nada. Independente da frequência de clientes e para manter a fachada de estabelecimento respeitável e convidativo, precisava obter novas aquisições. O dinheiro ganhado com o resgate serviu para pagar algumas contas atrasadas, consertar a pia que gotejava incessantemente (o que o privou de mais dores de cabeça) e ainda restou para pizzas, o que, em sua concepção, tinha sido satisfatoriamente o bastante para suas carências primordiais de sobrevivência.
Largado na cadeira e mordendo um generoso pedaço do queijo derretido da massa, o jovem caçador chacoalhou a lata de suco de tomate com reprovação com a ausência de conteúdo sendo esta a última do engradado consumido, o que o forçaria a ir atrás de mais. Pegou o pequeno objeto e o atirou junto das demais que caiu perfeitamente em pé sem titubear — e se quisesse montaria uma torre com todas sem mover um único músculo. Muitos que conhecem Dante, de longa data ou não, nunca o descreveriam como um notável símbolo de modéstia e as virtudes de sê-lo, entretanto, a maioria concordava sobre o inegável talento dele com armas e técnicas de combates, embora em algumas ocasiões gerasse certos efeitos colaterais incluindo danos a propriedade e uma destruição indomesticável.
Enzo disse que viria vê-lo para mais um novo trabalho, não especificou o horário e o único que deixou bem claro era o bem pagado que seria — uma estratégia de persuasão muito ultrapassada da parte dele. Esse intervalo vago entre a quietude pacífica e a chegada, intrusiva, do seu “informante” lhe deu tempo de sobra para inventar uma desculpa esfarrapada para negar o lhe fora ofertado. Não estava muito no humor para perambular por aí e buscar serviço com Enzo em seu encalço.
Enquanto debatia se sua disposição para comprar suco de tomate o encorajaria a sair, uma figura feminina irrompe em sua loja sem cerimônias, o que tem sido uma ocorrência comum — principalmente com Lady.
— Se você está querendo dinheiro, chegou tarde. — avisou antes de notar melhor e identificar a mulher.
— Não estamos em dívida, creio eu. — brincou com um sorriso radiante. Ruivo não corresponde a cabeleireira escura da caçadora.
A cantora.
Com um aspecto melhor que o que se encontraram em primeira instância, sem o vestido em farrapos e o cabelo despenteado, ela irradiava elegância e a simpatia de uma celebridade — o que de fato se tratava ser uma. Apesar de não ser um apreciador do estilo no qual ela se ocupava, pelo que soube de fontes, não tão confiáveis, que a jovem tinha sido nomeada como revelação
E ironicamente ninguém tinha o básico: o nome dela.
— Veio fazer uma visita? — inquiriu curioso ao revê-la.
A cantora caminhou até a bateria, verificando as peças que possuía e Dante observou-a examinar o instrumento.
— Você tem um gosto bem definido. — ela comentou com um brilhou enérgico nas íris amendoadas. — Com tantos instrumentos.
— Eu sou um homem de muitos talentos. — deu de ombros, sorrindo.
A cantora o mirou com feições divertidas.
— Modéstia não é uma delas. — replicou, rindo melodicamente. A jovem encurtou a distância e alcançou a guitarra, a ajustou a correia nos ombros se preparando para uma performance.
— Sem ofensa, mas guitarra não é exatamente o seu estilo — comentou, recordando que ela majoritariamente construiu sua carreira em óperas e teatros. Músicas mais pesadas e de letras mais sombrias raivosas não combinavam com o comportamento e o visual da mulher.
Arqueou uma das sobrancelhas com a observação subestimativa, estava habituada com as pessoas ditando o que se enquadrava em sua rigorosa predileção pelo clássico, como se excluísse os demais gêneros musicais de seu entorno. Tinha sim um papel sólido em meio a música e ao teatro pendendo mais para obras inspiradas em clássicos, entretanto, não era uma ignorante.
Sem verbalizar uma resposta atrevida, a cantora tocou os primeiros acordes com maestria em um solo de guitarra muito experiente, surpreendendo o caçador que se sentou direito na cadeira para assistir o exímio desempenho dela com uma música que ele reconheceu: Rock you Like a Hurricane.
— É, acho que você me fez engolir minhas palavras — proferiu com os lábios curvados em um sorriso convencido. — Mais alguma habilidade escondida?
— Talvez tenha algumas na manga — replicou, finalizando o refrão da música com fluidez. — Mas... Não estou aqui para uma amostra gratuita dos meus dotes musicais, vim te convidar para algo.
Dante a fitou com o cenho franzido.
— Claro, que isso é se for de seu interesse.
— Me convença — desafiou a jovem e aquilo pareceu atiçar um brilho selvagem no olhar dela.
As pessoas se balançavam de um lado a outro com seus corpos suados, porém transbordando vitalidade entre o jogo de luzes brancas, vermelhas e azuis enquanto se permitiam dançar com o ritmo avassalador da música. Todos vibraram junto da cantora que entregava seu espírito ao entoar tão avidamente a canção, acompanhada do guitarrista — um homem tão feroz quanto ela trajando um sobretudo escarlate e com um incomum tom de cabelo prateado. Ambos possuíam uma sinergia única no palco e contagiava o público que se deletava sem parar, ovacionando-os com apelos por mais e mais, que foram prontamente atendidos.
Dante permaneceu ao lado da ruiva, atento aos movimentos executados e como conseguiam, mal se conhecendo, ter uma parceria tão natural.
Ela era o oposto de tudo que imaginou que fosse: ainda seria a trovadora que encantava recitais e teatros, contudo, também seria aquela que gastava o fôlego em shows menos pomposos para pessoas que buscavam prazeres rápidos para preenchê-los com uma nova energia em uma troca que os dois lados saiam satisfeitos.
O meio-demônio ousou mais na guitarra, avivando mais a sede da plateia que gritou em um coro de apreciação. Quando ela o convidou para participar do espetáculo não esperava gostar tanto do que teria que fazer tampouco desfrutar da companhia. Quando foi a última vez que se divertiu com tamanho fervor?
Ela lhe deu uma chance para curtir seu próprio momento no qual era apenas um fanfarrão querendo a euforia de um bom entretenimento.
A troca fugaz de olhares cúmplices incentivou o caçador a tomar a oferta e, agora, embebido por uma emoção intensa, não pôde deixar de se questionar: ele ainda não sabia o nome dela.
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Coletâneas do Cotidiano em Devil May Cry
FanfictionEntre caçadas de demônios e impedir que Imperadores Infernais dominem o mundo, a trupe de Devil Hunters - junto da Garota de outra dimensão - será posta em abordagens mais humanas, vivendo cada particularidade de uma vida comum nos parâmetros mais n...