A luz que se esconde no Abismo

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"Diferente de Dante, Vergil permaneceu sozinho — estagnado no tempo e em seus pesadelos. Vivendo um mundo eterno de cinza.

Não haveria redenção a sua alma atormentada e não buscava por ela."

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Até onde a escuridão alcança

As memórias recriadas floresceram como um pesadelo vivo que contaminou a psiquê do meio-demônio em uma sequência de eventos desafortunados amarrados em uma trama trágica que se conduzia para um único final

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As memórias recriadas floresceram como um pesadelo vivo que contaminou a psiquê do meio-demônio em uma sequência de eventos desafortunados amarrados em uma trama trágica que se conduzia para um único final. A deriva em um limbo inescapável de emoções reprimidas que se infiltravam pelas rachaduras de sua persona, reviveu em toda plenitude o medo visceral e primitivo que o acometeu naquela fatídica noite: as lágrimas que derramava a medida que os gritos incessantes se perderam na escuridão sem serem escutados, sua voz clamando por sua mãe e seu irmão, implorando por socorro. Sufocado em angústia e pânico, as súplicas mitigaram até restar nada além de um lamento mudo enquanto o pueril coração sucumbia as sombras, morrendo ali toda esperança e uma parte delicada de sua humanidade.

Ele teria que se valer por si mesmo.

Um imagem desgastada de Eva projetada pelo seu subconsciente o mirava com dor, uma tristeza tão profunda que era quase como se soubesse o que seu filho mais velho tinha irremediavelmente abdicado e que não suportava a solidão pela qual ele se refugiou em um ato de desespero. Sem possibilidade de salvá-lo das trevas que ele optou seguir, a ilusão se desfazia em brilhantes e diminutos pontos de luzes, não permitindo que o meio-demônio tivesse a chance de detê-la nesse curto intervalo de tempo.

As chamas consumiam a antiga residência da família e, junto a ela, recordações e laços. Na beira do abismo, aceitando que tudo terminou, Vergil mergulhou na escuridão e nela se abrigou, oculto de quaisquer fontes de luz. Incapaz de esquecer suas convicções e, ironicamente, não esquecendo o que o moveu durante todos esses anos, a sede por poder e a necessidade irracional de nunca ter que vivenciar a mesma experiência de perder alguém e não poder salvá-la... Não. Era muito mais que um trauma de abandono, a vontade de suprimir um vazio e o complexo de impotência. A verdade, aquilo que realmente buscava e nunca obteria, era ter quem protegesse aquela criança — seu pequeno e indefeso eu de oito anos. Alguém que resgatasse seu coração, zelasse por ele.

Diferente de Dante, Vergil permaneceu sozinho — estagnado no tempo e em seus pesadelos. Vivendo um mundo eterno de cinza.

Não haveria redenção a sua alma atormentada e não buscava por ela.

O grito no breu, a alma corrompida e subjugada que se perdia no limbo.

Exercendo o domínio sobre sua razão, as sombras rastejaram por ele, arrastando-o ao seu martírio mais doloroso: ser relegado a servidão, o orgulhoso cavaleiro condenado a viver feito um escravo sob o comando do inimigo de seu pai. Uma patética escória a margem do que um dia foi: derrotado, humilhado e esquecido. Fadado a solidão, ao tormento e ao ódio.

Urrou contra seu destino amaldiçoado... Então viu, uma pálida luz em meio as trevas.

Vergil grunhiu em seu sono, despertando com um arfar sutil fazendo Diva se assustar um pouco. Deveu essa reação imediato ao fato de não ser agitado em seu estado adormecido, o que justificava o modo aterrorizado que a garota o encarava. Lutou para respirar com mais fluidez, indo a favor de seu instinto primário de agarrar Yamato para se assegurar que sua espada estivesse ao alcance.

— Vergil? O que foi? — indagou apreensiva, tocando o ombro do meio-demônio mais velho.

Se recuperando do impacto do sonho, de sua consciência o julgando impiedosamente, fitou a jovem que outrora dormia ao seu lado sem saber o que responder e decidindo manter essa informação para si em vez de externá-la. Demonstrar fragilizada estava longe do seu feitio, mesmo que fosse sob a vigília de uma pessoa de plena confiança, que se solidarizava com sua dor. Não queria se desfazer em lamúrias e acabar evocando para si novas recordações espinhentas.

— Foi um pesadelo? — a maciez os dedos dela ao roçar em seu rosto o encorajou a fitá-la, não a interrompeu em seu gesto, percorrendo os contornos bem desenhados tampouco proferiu algo que pudesse romper aquele momento. — É isso, não é? Seja o que tenha sonhado, está tudo bem agora, sim?

Ela encostou a testa dela na sua em cumplicidade — algo tão íntimo e acolhedor que o meio-demônio se entregou a esse efêmero e balsâmico gesto.

— Fique tranquilo que já passou, nada vai te fazer mal. — cantarolou tão ternamente que Vergil cedeu vagamente ao arranjo da jovem que o envolvia calidamente. — Nada vai te torturar mais.

— Se, naquela época, as coisas fossem diferentes... Acha que ela teria me salvado? — essa dúvida sempre povoou seus pensamentos, uma constante que vez ou outra retornava e a cada ocorrência, emergindo mais dolorosa. — Que ela teria vindo atrás de mim?

— Ela sempre te procurou, Vergil. — exclamou com firmeza, contudo, mantendo a suavidade. — Você nunca deixou de estar nos pensamentos da sua mãe. Tenho certeza que, pra salvar você ou Dante, ela faria tudo de novo.

A sinceridade vocalizada por Diva serviu para amparar um fragmento de si que pendia em um desfiladeiro de incertezas, apaziguar a  tormenta que influía em seu amago.  Quantas vezes não se asfixiou em pesar e deixou que aquele sentimento de insuficiência o devorasse por dentro?

Não sabia se seria capaz de dormir após um pesadelo tão virulento, tendo o risco de repetir o mesmo tormento uma e outra vez em um ciclo interminável. Caiu tão baixo que era assombrado por memórias de seu antigo eu... E... Os braços que o capturaram em um abraço apertado, provido com algo que nunca experimentou em anos, afugentaram, por um instante, a influência da escuridão que cultivou em si.

Vergil continuou imóvel, permitindo que os fantasmas do passado fossem pra fora. Ele não é mais o garotinho desamparado de oito anos que perdeu tudo em uma fatídica noite, não é um fantoche de Mundus sem livre arbítrio, o Nelo Angelo, agora era apenas sua própria persona, quebrada e vazia.

— Mesmo que tudo mude, que as coisas entre nós terminem, vou continuar amando você. — murmurou com doçura. — Você nunca mais terá que passar por esses pesadelos novamente. Agora você está cercada por pessoas que se importam, eu, seu irmão e o Nero. — os braços delgados o trancaram protetoramente. — Durma tranquilo, Vergil. Estará tudo bem quando acordar, prometo.

Sem dizer mais nada, o meio-demônio descansou ali, contra Diva, repousando a cabeça em seu peito e escutando o coração que batia em um ritmo sereno, querendo resgatar em meio a suas lembranças a última vez que se sentiu verdadeiramente acolhido como agora.

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